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Vídeos de torturas em prisões abalam a Rússia

Roman Goncharenko
9 de outubro de 2021

Em diversas penitenciárias, detentos sofriam abusos sexuais durante interrogatórios e eram filmados. Moscou reage rápido, possivelmente temendo reação popular. Há comparações com escândalo de Abu Ghraib, no Iraque.

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Cabina de vigia cercada de arame farpado
Hospital para detentos tuberculosos de Saratov, Rússia, um dos palcos das violações dos direitos humanosFoto: Filipp Kochetkov/dpa/TASS/picture alliance

É preciso nervos fortes para assistir aos vídeos. Num deles, um homem nu, amarrado numa cama, é violentado com um cabo de vassoura. O fato de o fragmento de cerca de três minutos estar pixelado não o torna mais suportável. A vítima grita e pede misericórdia. Seu torturador, um homem de roupa preta, não para, xinga em voz calma e pergunta repetidamente: "Tem alguma coisa para dizer? Se lembrou?"

A cena parece rotineira. O vídeo contém uma data, 18 de fevereiro de 2020, âs 22h29. O local seria o hospital presidiário para tuberculosos da cidade de Saratov, no sudeste da Rússia. Aparentemente foi feito com uma câmera corporal, como as que portam policiais ou oficiais de Justiça. Divulgado na internet na terça-feira (05/10), juntamente com outros, ele desencadeou um escândalo que abala a Rússia.

"O caráter quotidiano da tortura apavora", escreveu o analista político, blogueiro e colunista da DW Fjodor Krascheninnikow. "É inimaginável que, no século 21, numa instituição estatal, sejam realizados rituais e filmados para um banco de dados alicerçado nos meios criminosos."

Abu Ghraib russo

Já se soube de outras filmagens internas de torturas em penitenciárias russas, mas desta vez a dimensão é sem precedentes, recordando o escândalo do Exército americano na prisão de Abu Ghraib, no Iraque. O atual banco de dados foi encaminhado ao projeto online russo Gulagu.net, e documenta torturas em diversas instituições penais, sobretudo Saratov e Irkutsk, na Sibéria.

Museu Gulag, em Moscou, relembra vítimas do regime de Stalin

Gulagu.net – cujo nome significa em russo "Não ao Gulag", numa alusão ao sistema soviético de colônias penais – foi fundado em 2011 por Vladimir Osechkin, que se engaja pelos direitos dos presidiários. Em meados de 2021, seu website foi bloqueado pelas autoridades russas. Osechkin vive e trabalha no exílio, num Estado europeu.

As comprometedoras gravações foram enviadas a sua equipe no primeiro trimestre do ano, de início uma a uma e anonimamente, relatou ele à DW. Depois um jovem se apresentou, pedindo ajuda em sua fuga para o Ocidente, na qualidade de testemunha-chave. Ele possuía mais de 40 gigabytes de provas, na forma de vídeos, fotos e documentos. "Primeiro pensamos: isso é uma doideira, um romance policial", recorda Osechkin.

O informante revelou ser um especialista em tecnologia da informação que também estivera preso, sendo mais tarde recrutado como "ajudante" com acesso ao banco de dados. Depois de os vídeos serem examinados e classificados como autênticos, o informante recebeu ajuda, encontrando-se agora "em relativa segurança".

Foto histórica de presos do sistema penal soviético Gulag
Foto histórica de presos do sistema penal soviético GulagFoto: imago

Mais de 200 estupros documentados

Vladimir Osechkin faz acusações graves contra o sistema penitenciário russo. "É uma coisa diabólica, uma desumanização. Antes, não podíamos imaginar que alguém pudesse filmar algo assim com uma câmera corporal."

O material examinado leva a supor que dentro da Justiça penal da Rússia se criou um sistema perverso e desumano, com salas especiais onde regularmente se interroga, tortura e filma.

Os perpetradores são funcionários carcerários, mas também outros detentos, os quais são recompensados por suas ações com alimentos drogas ou acesso a prostitutas, relata Osechkin. Tudo é "estruturado", com torturadores, mas também relatores que anotam as atas de interrogatório.

Segundo o ativista dos direitos humanos, estão documentados mais de 200 estupros em diversas instituições. "São coronéis e generais penitenciários, que criaram esse sistema num afã de investigação, para executar ordens." Sua previsão é que haverá "dezenas de processos penais e condenações".

Nova fábrica de torturas a caminho?

Segundo dados oficiais, atualmente realizam-se sete inquéritos judiciais. Diversos observadores estão espantados com a velocidade com que a liderança russa reagiu às revelações, até agora. Além das investigações de que se encarrega Moscou, vários funcionários foram demitidos e foi iniciada uma auditoria interna. Nos próximos dias, um representante do conselho presidencial de direitos humanos viajará para Saratov.

O porta-voz do presidente Vladimir Putin, Dmitri Peskov, prometeu um "inquérito sério", caso as acusações se confirmem. Também Vyacheslav Volodin, presidente do parlamento federal, se manifestou: "Vou ficar em cima". O assunto é especialmente explosivo para o político de alto escalão, que é natural de Saratov e já foi vice-governador da cidade portuária à margem do rio Volga.

Alguns atribuem a rapidez das reações das autoridades a temores por parte de Moscou que o escândalo influencie negativamente o clima entre a população, pois o caso é diferente de revelações sobre elites corruptas, comenta Osechkin.

O ativista está satisfeito com o grande interesse midiático e as decisões rápidas: "A fábrica de torturas foi detida, é uma conquista." Ele só se pergunta se ela não poderia ser reconstituída em outro local, a que o acesso seria mais difícil.