Votos às custas do Katrina?
2 de setembro de 2005Se as enchentes que assolaram a Alemanha em 2002 foram co-responsáveis pela vitória do atual premiê, Gerhard Schröder, nas últimas eleições no país, o furacão Katrina vem inspirando comentários de políticos a duas semanas do pleito, que acontece em 18 de setembro próximo.
Tudo começou com um texto publicado pelo diário Frankfurter Rundschau, no qual o ministro alemão do Meio Ambiente, Jürgen Trittin (Partido Verde) relembrou a recusa dos EUA em assinar o Protocolo de Kyoto.
Olhos fechados
"O efeito estufa precisa ser drasticamente reduzido em todo o mundo. Os EUA fecharam os olhos para isso até hoje", afirma o ministro, ao relembrar que o cidadão norte-americano, em média, é responsável por mais do dobro da emissão de poluentes que o europeu.
"O governo Bush, mesmo assim, rejeita metas internacionais de defesa do meio ambiente, usando o argumento de que isso prejudicaria a economia norte-americana", completa Trittin.
"Lição de moral desnecessária"
As palavras do ministro foram consideradas pelo semanário Der Spiegel como uma "lição de moral" desnecessária, além de serem um sinal de "esquecimento histórico" a respeito do papel desempenhado pelos EUA no pós-guerra na Alemanha.
A revista acusa o político verde de oportunismo, ao afirmar que "no momento em que os cadáveres se amontoam no sul dos EUA, o ministro não tem nada melhor a dizer que acusar o país de ser, ele próprio, responsável pela catástrofe".
Prejuízos para relações bilaterais
Para o semanário, as declarações de Trittin contribuem para empurrar as relações bilaterais entre Alemanha e EUA ainda mais para o fundo do poço, relembrando a comparação entre Hitler e Bush, feita pela ex-ministra da Justiça, Hertha Däubler-Gmelin, pouco antes das eleições de 2002. "O texto de Trittin é um tapa na cara das vítimas", diz a revista, ao acusar o ministro de fazer uso da catástrofe para "disseminar um antiamericanismo sutil entre o povo".
Enquanto o ministro faz uma propaganda direta da política do atual governo social-democrata-verde em prol das energias renováveis – "que são copiadas não apenas na Ásia, como também na América Latina" – o Der Spiegel ironiza a postura ao afirmar que o ministro é "aquele homem que acha que todos nós andamos demais de carro, que satura nosso país com moinhos de vento e o abençoou impondo o depósito sobre as embalagens descartáveis".
Mau gosto
Os ventos do Katrina no cenário político alemão não param ainda por aí. O presidente dos Verdes, Reinhard Bütikofer, acusou Bush abertamente de ser um "reacionário do petróleo, que conduz uma política energética sob a perspectiva do lobby da indústria petrolífera e da energia atômica".
As acusações desencadearam reações entre os conservadores da União Democrata Cristã (CDU) e do Partido Liberal (FDP), que apontaram a postura dos Verdes como sendo "de mau gosto".
A liberação de reservas de petróleo é outro aspecto da catástrofe nos EUA que surte efeitos dentro da Alemanha, sendo defendida pela União Democrata Cristã (CDU), da candidata Angela Merkel, e pelo Partido Liberal (FDP).
"Jogo com o fogo"
A posição causou reações veementes da indústria petrolífera. "Este é um jogo perigoso com o fogo", alertou Klaus Picard, presidente da Confederação da Indústria de Combustíveis no país, salientando que as reservas servem para situações de emergência e não para a "regulação de preços".
Depois que os EUA solicitaram à Agência Internacional de Energia (IEA) a liberação de parte das reservas internacionais de petróleo, para sair da crise de abastecimento provocada pelo furacão, o premiê Gerhard Schröder afirmou em Berlim, nesta sexta-feira (02/09), que "a Alemanha obviamente apoiará esta medida".
Efeito imediato
Depois disso, já pôde ser observada uma certa redução no preço dos combustíveis. O pedido do governo norte-americano prevê a liberação diária de cerca de dois milhões de barris ao mercado durante um mês.
Schröder negou que seu surpreendente anúncio seja uma reação a reivindicações feitas pela oposição. "Parte da produção petrolífera dos EUA não funciona mais. Em consequência da decisão da IEA, os países seriam obrigados a liberar parte de suas reservas sob coordenação internacional", explicou o premiê.
Pela legislação alemã, a indústria de combustíveis é obrigada a manter reservas estratégicas suficientes para abastecer o país durante três meses. Segundo a associação das empresas do setor, a Alemanha têm reservas de 23 milhões de toneladas de petróleo cru e derivados.