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Imprensa

Júlia Dias Carneiro4 de junho de 2008

Seqüestro e tortura da equipe de reportagem de um jornal carioca mostra que a mídia brasileira ainda tem que aprofundar debate sobre segurança para jornalistas, declarou, em Bonn, o editor da TV Globo Marcelo Moreira.

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Global Media Forum

A violência contra jornalistas no Rio de Janeiro voltou a tomar as manchetes de jornais brasileiros, após o jornal O Dia ter revelado, no último sábado (31/05), que uma equipe de reportagem do jornal havia sido sequestrada e torturada por milicianos durante sete horas na Favela do Batan, em Realengo, no dia 14 de maio. A associação ao caso Tim Lopes foi imediata: em 2002, o jornalista foi executado numa favela carioca, onde fazia uma reportagem investigativa para a TV Globo.

Naquela época, Marcelo Moreira era chefe de reportagem de Tim Lopes na emissora. No último fim de semana, enquanto o seqüestro da equipe do Dia era revelado no Brasil, Moreira chegava a Bonn para o Global Media Forum, conferência onde se pronunciou justamente sobre a atuação de jornalistas em áreas de conflito – no seu caso, o conflito urbano ligado ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

A presença de Moreira no congresso é diretamente ligada à morte de Tim Lopes. Desde então, ele passou a participar, pela Globo, de simpósios internacionais sobre jornalismo investigativo, defesa e segurança no exercício da profissão.

No Global Media Forum, ele falou sobre a violência enfrentada por repórteres no Rio, durante o workshop "Cobertura jornalística em ambientes hostis: de zonas de conflito ao crime organizado".

Jornalista visto como inimigo

Global Media Forum Marcelo Moreira
Marcelo Moreira, editor da TV Globo, em BonnFoto: DW

Moreira diz que o assassinato de Lopes foi um divisor de águas no jornalismo brasileiro. "Podemos falar em períodos pré e pós-Tim Lopes. Foi uma grande virada, mudou toda a relação que o jornalista tinha com as comunidades carentes. No período anterior, o jornalista ainda era visto como um amigo. A partir do momento em que Tim Lopes entrou na favela disfarçado para mostrar uma coisa que o traficante não quer que apareça – a venda de drogas –, virou o chamado X9, a pior espécie que pode existir para o traficante. Passou a ser um inimigo e, com ele, toda a imprensa", explicou Moreira, que hoje é editor coordenador dos telejornais locais da emissora.

Após a morte de Lopes, a mídia brasileira começou a olhar para fora. A TV Globo tomou conhecimento do Instituto Internacional para a Segurança da Imprensa (Insi, na sigla em inglês), ONG dedicada à segurança de jornalistas, e tornou-se membro do instituto. O crime também levou a empresa a traçar normas de segurança que são "guardadas a sete chaves", diz Moreira, citando como exemplos apenas o uso de carros blindados e coletes à prova de bala. Mas, acima de tudo, a morte de Lopes levou ao início da mudança de comportamento da mídia brasileira.

"Antes, não existia esse debate sobre a segurança de jornalistas. As equipes eram mandadas para a rua meio à base do 'vai lá e avalia'. A discussão começou depois da morte do Tim, e levou à criação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)."

Mas o caso da equipe do Dia mostra que ainda falta muito para se estabelecerem políticas de segurança consistentes nas redações brasileiras. "As lições do caso Tim Lopes não foram aprendidas. A equipe do Dia foi para a favela disfarçada, sem um plano de segurança para salvar a vida dos repórteres. Eles só sobreviveram porque os bandidos deixaram. O Dia não procurou as autoridades, demorou a divulgar o fato, enfim, cometeu vários erros que agora devem ser revistos por eles e pela categoria."

Dimensão mundial do problema

Global Media Forum Covering hostile environments
O workshop 'A cobertura jornalística de ambientes hostis'Foto: Foto: DW/B.Frommann

A atuação de jornalistas em áreas de conflito está longe de ser exclusividade de um país ou região, e os três dias do Global Media Forum evidenciaram a dimensão internacional de um problema muitas vezes enfocado com lentes locais.

No evento promovido pela Deutsche Welle, encerrado nesta quarta-feira (04/06) em Bonn, jornalistas que arriscam suas vidas em países como Israel, Afeganistão, Zimbábue e Iraque compartilharam experiências. No centro do debate estava o papel da mídia no estabelecimento da paz e na prevenção de conflitos.

"Poder conversar e trocar experiências com jornalistas de tantos países é uma experiência sensacional. O mais interessante é perceber que os problemas, por mais distantes que sejam as culturas, são parecidos. Então, as soluções também podem ser discutidas em conjunto."

Falta intercâmbio com outros países

Para Moreira, a mídia brasileira ainda age como se estivesse sozinha no mundo – e conhece pouco do que há lá fora. "Ela precisa acordar um pouco, abrir os olhos para experiências internacionais e participar mais de fóruns como este."

O início do intercâmbio de experiências no setor de segurança para jornalistas começou também após a morte de Tim Lopes. Em 2006 e 2007, Moreira organizou treinamentos para jornalistas – o primeiro em parceria com a Insi e com a Abraji – que contaram com a participação de 150 profissionais no Rio e em São Paulo. O próximo deve ocorrer ainda no fim de 2008, e Moreira conta com interesse redobrado da imprensa após o caso do jornal O Dia.

Para isso, ainda é preciso vencer uma certa cultura do repórter "macaco velho". "Muitos fazem resistência aos treinamentos. Vem uma pessoa de fora dizer como eles devem se comportar nas favelas, e eles acham que isso é ensinar o padre a rezar missa. Mas depois eles vêem que faziam muitas coisas erradas e que podem melhorar," diz ele.

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Platéia internacional no Global Media ForumFoto: DW/B.Frommann

Em muitos casos, os valores das empresas também devem ser revistos. "Elas devem ter guias de segurança muito sérios, deixando claro, por exemplo, que nenhum repórter pode ser obrigado a ir para uma área de perigo se não quiser ir. E, sobretudo, que vale mais a pena não ter uma imagem do que arriscar uma equipe. Nenhuma imagem vale uma vida."