Vereador que ofendeu baianos é alvo de processo de cassação
Publicado 1 de março de 2023Última atualização 3 de março de 2023A Câmara Municipal de Caxias do Sul aprovou nesta quinta-feira (02/03) a abertura de um processo de cassação do mandato do vereador Sandro Fantinel, após suas declarações sobre o caso envolvendo mais de 200 trabalhadores, a maioria baianos, resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, em meio à colheita de uvas que seriam utilizadas por famosas vinícolas.
Os vereadores aprovaram a abertura do processo por unanimidade (21 votos favoráveis e nenhum contrário), acolhendo quatro denúncias contra o vereador por suposta quebra de decoro parlamentar. Eles terão 90 dias para concluir o processo.
Na terça-feira, na tribuna da Câmara de Vereadores, Fantinel pediu aos produtores da região que não contratassem mais "aquela gente lá de cima", em referência a trabalhadores vindos da Bahia.
O vereador sugeriu ainda que, em vez de nordestinos, fossem contratados argentinos, que segundo ele seriam mais "limpos, trabalhadores e corretos".
Fantinel completou dizendo que a única cultura que os baianos têm "é viver na praia tocando tambor". Segundo ele, o caso de trabalho análogo à escravidão foi "exagerado e midiático".
Na quarta-feira, o Patriota havia expulsado o vereador do partido. Em nota, a legenda disse que "o discurso está maculado por grave desrespeito a princípios e direitos constitucionalmente assegurados, à dignidade humana, à igualdade, ao decoro, à ordem, ao trabalho, já que se refere de forma vil a seres humanos tristemente encontrados em situação degradante".
Segundo o Patriota, por essa razão, se torna "inconciliável" a permanência de Fantinel nas fileiras do partido, "que prima pelo respeito às leis, à vida e à equidade".
O vereador também foi indiciado pelo crime de racismo. O inquérito da Polícia Civil foi remetido ao Ministério Público em 13 de março.
Repercussão
Também na quarta-feia, as defensorias públicas do Rio Grande do Sul e da Bahia publicaram nota de repúdio conjunta contra as declarações do vereador. No texto, os órgãos consideram que o vereador envergonha a casa legislativa "aos olhos do mundo".
A nota diz que, "traindo o mandato que exerce em nome do povo em sua pluralidade", o vereador "valeu-se do púlpito da Câmara da cidade gaúcha para injuriar e difamar justamente os cidadãos a quem deveria bem representar, os quais, em seu conjunto, constituem o povo brasileiro, que é um só, independente de sua origem ou cor".
Os governadores da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também condenaram as falas do vereador. Rodrigues afirmou que Fantinel estava defendendo o trabalho escravo nas vinícolas gaúchas e foi xenofóbico.
Leite considerou o discurso "xenófobo e nojento" e disse que a fala "não representa o povo do Rio Grande do Sul". Ele também afirmou que buscará diálogo com autoridades baianas para alinhar ações conjuntas contra o preconceito.
Fantinel tenta se justificar
À agência de notícias Agência Brasil, Fantinel disse que sua intenção era citar casos "forjados", supostamente montados para ameaçar produtores gaúchos e pedir indenizações. Ele afirmou que apagou dos registros da Câmara sua fala sobre os baianos tocarem "tambor na praia" e, segundo ele, está tudo resolvido.
Sobre contratar trabalhadores argentinos, Fantinel disse que a comparação não era com os trabalhadores baianos. E, em relação à situação dos trabalhadores em Bento Gonçalves, afirmou ser totalmente "contra o ocorrido" e que aquela situação não deveria ser feita "nem com animais".
Em entrevista nesta quarta-feira à RBS TV, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul, Fantinel disse que a intenção "era querer transmitir para os agricultores terem um certo cuidado”.
"Porque existem alguns grupos que estão dando golpes usando a questão da analogia à escravidão. [...] Quando a gente está no calor da fala, [..] a gente diz palavras que não é o que a gente quer dizer, que não representa a gente. A única coisa que eu disse dos baianos é que eles gostam só de tocar tambor e ficar na praia né. Se a gente fosse ter essa conversa em um outro momento, a pessoa iria dizer: 'ah, é verdade. É a cultura deles, não tem nada de mal'. O problema é que entrou em um contexto que foi interpretado como forma de falar mal deles", disse à RBS TV.
Entenda o caso
Na noite de 22 de fevereiro, uma ação conjunta entre a Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou os 207 trabalhadores que enfrentavam condições de trabalho degradantes em Bento Gonçalves.
O resgate ocorreu depois que três trabalhadores que fugiram do local entraram em contato com a PRF, em Caxias do Sul, e fizeram a denúncia. Os trabalhadores, que foram atraídos pela promessa de salário de R$ 3 mil, relataram enfrentar atrasos nos pagamentos, violência física, longas jornadas de trabalho e oferta de alimentos estragados. Eles relataram ainda que, desde que chegaram, no início do mês de fevereiro, eram coagidos a permanecer no local sob pena de pagar multa por quebra do contrato de trabalho.
Em nota, as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, que utilizavam a mão de obra dos trabalhadores resgatados, disseram que desconheciam as irregularidades praticadas pela prestadora de serviços terceirizados Oliveira & Santana, que recrutava pessoas para a colheita da uva. As empresas disseram ainda que repudiam essa conduta e que estão à disposição para colaborar com as autoridades
Na ação, a PF deteve um empresário baiano responsável pela empresa Oliveira & Santana. Ele foi encaminhado para o presídio de Bento Gonçalves.
le/bl (EBC, ots)