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Vale a pena pagar pelo ensino alemão?

Fernando Scheller16 de maio de 2005

Alemanha abriu suas universidades para estudantes que não dominam o idioma, oferecendo currículo internacional e cursos em inglês. Recentemente, porém, a Justiça aprovou cobrança de taxas nas universidades públicas.

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Universidade paga pode ser empecilho para estrangeirosFoto: dpa

Um debate que se estendia há muitos anos na Alemanha chegou ao fim no início de 2005: uma decisão judicial permitiu que os Estados alemães passem a cobrar taxas dos estudantes universitários. A sentença chega, curiosamente, no momento em que vários acadêmicos do país pregam a necessidade da internacionalização do sistema de ensino. Segundo especialistas em educação, trazer mais alunos de fora, com diferentes perspectivas sobre política e economia, é parte fundamental da formação dos cidadãos alemães.

A cobrança das taxas pode ser, em primeira análise, um empecilho para o objetivo de "abrir as fronteiras" das universidades do país. Afinal, uma das grandes vantagens competitivas da Alemanha no setor educacional é o fato de o ensino superior (ainda) ser gratuito. Ao abandonar o sistema 100% subsidiado pelo poder público, o país nivelará seu "poder de atração" internacional ao de países como EUA, Inglaterra e Austrália – três dos maiores "importadores" de alunos estrangeiros do mundo.

Uma eleição no meio do caminho

Em alguns Estados alemães – os governados pela União Democrata Cristã (CDU) –, a cobrança de semestralidades pode começar no próximo semestre de inverno da Alemanha, em outubro. O que falta, no momento, é a definição das regras para a cobrança. Ainda não se sabe se a mudança afetará somente os alunos novos ou se também valerá para os já matriculados.

Embora haja praticamente um consenso do valor a ser cobrado – 500 euros por semestre, com projeções de progressão –, os Estados ainda precisam regulamentar o pagamento das taxas semestrais. Um fator político, porém, pode dar um pouco mais de fôlego aos estudantes (estrangeiros ou não) da Alemanha.

Christoph Scherrer
Christoph Scherrer

De acordo com o decano de Ciências Sociais da Universidade de Kassel, professor Christoph Scherrer, é possível que a decisão final ainda leve algum tempo, por conta das eleições parlamentares alemãs do ano que vem, que vão definir o sucessor do premiê Gerhard Schröder. "Muitos eleitores (da CDU) também são a favor da manutenção do estudo gratuito", explica.

Concorrência e modificações

O "namoro" entre o sistema universitário alemão e os estudantes internacionais é relativamente recente, apesar de o ensino ser gratuito no país há muitas décadas. O primeiro empecilho neste processo de aproximação é a organização dos cursos superiores em si, bastante complexa para quem é "de fora".

Ao contrário das grades estruturadas oferecidas no Brasil e na maior parte do mundo – bacharelado, mestrado, doutorado –, a Alemanha segue uma linha diferente, que dá ao aluno mais liberdade na escolha dos assuntos a serem estudados. No país, o diplom, só oferecido em algumas áreas, equivale em termos ao bacharelado e o magister ao mestrado.

A estrutura tem seus defensores, mas vem sendo duramente criticada nos últimos anos – e a Alemanha já se comprometeu a modificá-la. Isso porque acredita-se que essa visão mais "liberal" do ensino superior, combinada ao fato de as universidades serem gratuitas, ajudaria a prolongar a permanência dos jovens alemães nos bancos escolares. A Alemanha assinou, ao lado de outros 40 países, a Declaração de Bolonha, que prevê uma harmonização das regras para obtenção de um diploma universitário em toda a Europa.

Outra barreira natural para o acesso dos estrangeiros é o idioma. Ao contrário de Inglaterra, EUA e Austrália, a Alemanha não tem a vantagem de falar uma língua mundialmente útil (o inglês). Por isso, nos últimos anos, surgiram nas universidades do país cursos ministrados em inglês – o que poderia atrair mais estudantes que não têm o alemão como primeira língua.

Internacionalizar é preciso

Studenten beim Studium
Estudantes na biblioteca da Universidade Européia Viadrina, em Frankfurt do Meno, na fronteira polonesaFoto: dpa+

Apesar de serem oferecidos cada vez mais cursos em outros idiomas, o professor Christoph Scherrer – que dirige dois cursos de mestrado totalmente ministrados em inglês – diz que a oferta de conteúdos "globalizados" ainda é marginal. "A oferta está crescendo aos poucos. Mas a Universidade de Kassel, que tem cursos totalmente em inglês, é quase que a exceção neste segmento", ressalta o professor.

O site do DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) no Rio de Janeiro traz uma lista dos cursos em outras línguas disponíveis na Alemanha. Segundo o DAAD, há bacharelados, mestrados e doutorados disponíveis em inglês, francês e espanhol. Alguns destes programas de estudo, porém, são oferecidos por universidades privadas – ao custo de 15 mil euros ao ano.

A entidade informa que existem mais de 300 cursos ministrados em outros idiomas e dedicados, portanto, prioritariamente a estudantes do exterior. Pode parecer bastante, mas não é: a Alemanha contabiliza, entre faculdades e universidades públicas, católicas e privadas, cerca de 250 instituições de ensino superior. Isso quer dizer que há pouco mais de um curso em língua estrangeira por instituição.

Advogado da internacionalização do sistema alemão, Scherrer diz que existem diversas razões para se criar um ambiente mais "multinacional" nas universidades do país. "Os departamentos de Engenheria podem promover a tecnologia alemã internacionalmente", exemplifica, lembrando que a Alemanha pode, por meio de estudantes vindos de outros países, conhecer pesquisas feitas em outros países.

Como diversas empresas alemãs têm forte atuação internacional, o contato dos estudantes do país com outras culturas no dia a dia – e não só por meio dos livros – é essencial. "É uma forma de ampliar os horizontes dos estudantes alemães. Assim, quando chegam ao mercado de trabalho, eles trabalharão com o conceito de globalização de maneira muito mais natural".

Alemanha ou não: o fiel da balança

Vorlesungsbeginn an der Universität Leipzig
Sala de aula na Universidade de LeipzigFoto: dpa

O decano da Universidade de Kassel, porém, afirma que a Alemanha tem outras vantagens – o que pode compensar o início da cobrança de taxas. A maior delas, segundo ele, é o corpo docente. "Acredito que a formação dos professores alemães, em geral, é muito boa", comenta. Apesar de poucas universidades alemãs terem fama internacional – o que pode espantar alguns alunos –, há pouca desigualdade entre as escolas. "Os professores ganham o mesmo salário em Berlim, Kassel, Dresden ou Munique. Por isso, há uma garantia de padrão médio em todo o país".

Christoph Scherrer aconselha os interessados em estudar na Alemanha a fazer uma análise dos departamentos. "Em Ciências Sociais, por exemplo, as universidades mais conceituadas são as de Göttingen, Bielefeld e Frankfurt", ressalta. Departamentos novos, que ainda não ficaram famosos dentro do país, também podem ser uma boa solução, ainda mais quando se leva em conta que a qualidade das instituições do país é homogênea. "Geralmente, departamentos menos conhecidos, em cidades pequenas, oferecem um tratamento mais pessoal, pois têm menos estudantes. Assim, o aluno tem a oportunidade de aproveitar mais o período de aprendizado", explica.

Além disso, ressalta o professor, o preço semestral de 500 euros ainda é muito mais baixo do que os cobrados pelos sistemas britânico ou norte-americano, por exemplo. Ele ressalta ainda que o custo de vida na Alemanha, especialmente fora do eixo Hamburgo–Munique–Frankfurt, é mais baixo que na maioria dos países da Europa Ocidental.