Uma brasileira no Pegida
2 de março de 2015"Nossa liberdade e identidade nacional estão ameaçadas. É uma ameaça interna e externa, que se chama islã." A afirmação de uma das lideranças do movimento Pegida (sigla em alemão para "Europeus patriotas contra a islamização do Ocidente") eleva os aplausos entre os cerca de 5 mil manifestantes em frente à igreja Frauenkirche, na praça principal do centro histórico de Dresden.
A brasileira R. Mildner (*), de 59 anos, grita em coro com a multidão: "Wir sind das Volk" – "Nós somos o povo". Ela saiu das montanhas de Altenberg, nos arredores de Dresden, com o marido e o filho para participar da manifestação. "Por três motivos principais: contra a corrupção internacional, pela preservação da cultura alemã e, principalmente, contra o extremismo religioso", argumenta a advogada.
Os olhares são curiosos e cerceadores. O termo Lügenpresse ("imprensa da mentira"), utilizado pelos nazistas para criticar a mídia, também ecoa nos protestos do Pegida. No fim da tarde, a polícia chega para cercar a área. Todas as segundas-feiras, às 18h, a praça da cidade do leste alemão é tomada pelas cores da bandeira nacional. A família Mildner carrega uma bandeira antiga do estado da Saxônia.
"Estou emocionada, porque me lembro de quando era jovem e liderava o movimento estudantil na Universidade Federal do Espírito Santo. Hoje o Brasil passa por uma situação política difícil. Meu coração está aqui, mas queria estar lá lutando pelo povo brasileiro", diz Mildner, natural de Vila Velha (ES).
Entre cartazes que dizem "Não dê chance ao islã", aparecem outros pedidos: "Amizade com os russos em vez dos vassalos da América" e "Fora, refugiados".
"A cidade é palco para a expressão de frustrações com a mudança do sistema político depois da Reunificação alemã. Existe um complexo de inferioridade, e a islamofobia é apenas uma forma de extravasar descontentamentos mais profundos", analisa o sociólogo Karl-Siegbert Rehberg, da Universidade Técnica de Dresden.
"Queremos um Pegida no Brasil"
Os Mildner estão incomodados com os frequentadores de um abrigo para refugiados, que fica próximo à casa da família. "Eles estão roubando, mijando no ônibus. Não se trata de refugiados. São pessoas da Tunísia, do Marrocos, do Kosovo", afirma o alemão J. Mildner, marido da brasileira. "Eu penso que essas pessoas não podem vir para cá. Acho um perigo extremo. Há radicais entre os refugiados, são criminosos. Por isso, estamos aqui."
"Durante a ditadura militar, professores, engenheiros, jornalistas e sociólogos tiveram uma dificuldade enorme para conseguir asilo político", pontua a brasileira. "Hoje, qualquer um consegue refúgio aqui na Alemanha. Essa política precisa ser reformada."
Segundo A. Mildner, filho do casal, o movimento Pegida não tem natureza racista. "As pessoas tomam partido porque nunca vieram conversar com os manifestantes e saber exatamente o que eles estão fazendo aqui", afirma o estudante de 25 anos, que tem nacionalidade alemã e brasileira. "Dizem que temos preconceito contra todo mundo e, como vocês podem ver, somos uma família que poderia ser tratada como estrangeira. Jamais sofri discriminação."
A mãe diz que, desde que se casou, nunca teve problemas. "Sempre me adaptei e me integrei à sociedade alemã. Sou bem aceita, até já trouxe uma bandeira do Brasil aqui para o protesto", conta.
O marido destaca que o Pegida é um movimento internacional. "Aqui tem muitos espanhóis, holandeses, portugueses, poloneses, tchecos, russos. Tudo depende de como você fala, vive e se articula com as pessoas. Assim você é aceito", diz, ressaltando que o Brasil precisa ter uma versão do Pegida. "Queremos um 'Pegida Brasil' contra a corrupção, principalmente, e para preservar os valores culturais, educativos e cristãos."
O discurso acaba e, em meio a mais aplausos, começa a marcha nos arredores da praça. J. Mildner levanta a bandeira da Saxônia, e a família sai em passeata. Um dos manifestantes vem em direção à equipe da DW Brasil e tenta tapar a lente da câmera com a mão.
"Refugiados, sejam bem-vindos"
A 500 metros do protesto do Pegida, na praça Postplatz, aproximadamente 200 pessoas estão reunidas. Nos cartazes, uma mensagem diferente: "Refugiados, sejam bem-vindos." A única bandeira empunhada é formada por retalhos coloridos, representando a diversidade de culturas.
Em frente ao prédio do teatro, do século 19, um telão reproduz o apelo: "Por uma Dresden aberta ao mundo". "Não é apenas uma contramanifestação, mas um protesto a favor da convivência, da democracia e da tolerância", diz Eric Hattke, do Movimento Dresden para Todos, grupo foi criado em resposta aos protestos do Pegida.
Jovens brasileiros já tocaram samba nas contramanifestações. "É apenas uma minoria que apoia ideias xenófobas. Dresden tem um histórico de racismo, então é importante participar desses eventos", diz o percussionista Eduardo Mota, de Salvador, que vive há cinco anos na Alemanha.
Às segundas-feiras, grupos se mobilizam para visitar casas e abrigos de refugiados. Eles oferecem amparo num dia que, para alguns estrangeiros, se tornou sinônimo de apreensão em Dresden.
(*) Os entrevistados quiseram omitir o primeiro nome.