Tropas de paz da ONU têm histórico bem-sucedido de intervenção
24 de fevereiro de 2012Enquanto o regime de Bashar al-Assad rejeita qualquer intervenção militar estrangeira na Síria, os países discutem a eficácia de uma ação das tropas de paz da ONU no país, onde conflitos entre oposição e governo já deixaram mais de 5 mil mortos.
Conhecidos como boinas azuis ou capacetes azuis, as tropas da ONU são enviadas para regiões de conflito praticamente desde a criação das Nações Unidas, em 1948. Segundo um estudo da renomada consultoria norte-americana Rand Corporation, duas em cada três missões das tropas de paz obteve êxito.
No caso da Síria, o cientista político Matthias Dembinski, do Instituto de Pesquisas sobre Paz e Conflitos, na cidade alemã de Hessen, ainda questiona se os soldados da ONU deveriam ser enviados ao país. "A situação está tão agitada que o ponto de partida para uma missão pode mudar rapidamente".
Caso venha a ocorrer algum tipo de tratado de paz entre governo e oposição na Síria, segundo o especialista, permanece a questão sobre a necessidade de vigiar essa paz. Dembinkski duvida que a LIga Árabe esteja em condições de assumir esse papel. "Nesse sentido, os boinas azuis poderiam ser uma opção para a Síria, da qual ninguém poderia abrir mão."
Longa história
Quando as tropas de paz das Nações Unidas estão em campo, o objetivo não é conquistar territórios ou eliminar exércitos inimigos, mas sim assegurar a paz entre duas partes em guerra e proteger vidas humanas. Para isso, os boinas azuis foram convocados a atuar em grandes tragédias como na Somália (1993), em Ruanda (1994) e em Srebrenica (1995).
Eles já atuaram também como intermediadores entre Israel e Egito, assim como no Líbano e também no Iêmen. Por seu engajamento pela paz mundial, os soldados receberam, em 1988, o Prêmio Nobel da Paz.
Após a queda da União Soviética, o mapa dos conflitos mundiais mudou e, com isso, os boinas azuis precisaram se reconfigurar. "As missões de paz ficaram mais proativas", avalia Matthias Dembinski. As missões de paz intervêm com mais intensidade nas estruturas sociais e políticas do país alvo, e "tornaram-se mais abrangentes", acredita o cientista político.
"Eles começam com operações preventivas, para tentar evitar que os conflitos se formem". As missões também ajudam na reconstrução do país, na implantação de medidas de conciliação, assim como na integração dos dos combatentes na sociedade com o fim dos conflitos.
Difícil avaliação
Para Dembinski, é difícil medir com preccisão o quão exitosas têm sido as ações dos boinas azuis. Em situações mais complexas, por exemplo, não se poderia dar todo o crédito de uma pacificação às tropas das Nações Unidas.
O trabalho destes soldados no Líbano, no entanto, foi destacado por uma série de observadores do país. A missão em Serra Leoa também foi bem avaliada – as ações realizadas entre 1999 e 2005 no país colocaram fim a uma guerra civil que vinha devastando a região desde 1991.
Além das missões militares, uma série de medidas civis foram tomadas, como por exemplo a implantação do Tribunal Especial de Serra Leoa para julgamento dos criminosos de guerra e de uma "Comissão da Verdade", baseada no modelo sulafricano, para conciliar vítimas e contraventores. A missão de paz ainda construiu escolas e hospitais e deu orientações aos cidadãos do país sobre direitos humanos.
Além disso, em conjunto com outras organizações das Nações Unidas, eles ajudaram a reformar a economia de Serra Leoa, a fim de criar alternativas de trabalho e salário para os integrantes de milícias armadas.
Capítulo de fracassos
Apesar das ações de sucesso empreendidas na oeste africano, o fracasso dos boinas azuis em outras partes do mundo geraram manchetes ainda maiores nos jornais, como em 1993, quando as tropas de paz não conseguiram proteger a população da Somália da guerra civil e da fome. O fracasso na Somália precedeu uma outra catástrofe: o genocídio em Ruanda no ano seguinte.
Depois de 18 soldados norte-americanos terem sido mortos e as imagens de seus corpos profanados teres circulado pela mídia mundial, a disposição dos EUA em iniciar uma nova missão humanitária na África Central esmoreceu. As perspectivas de sucesso foram consideradas muito baixas. Além disso, Ruanda foi considerado um país de pouco valor estratégico.
E não apenas os EUA decidiram ficar fora de Ruanda. Os franceses também abortaram a missão, afirmam críticos. Desde a Revolução Hutu, a França mantinha estreito contato com o governo de Ruanda, considerada parte de sua área de influência na África. Segundo a acusação, a França não quis constranger os aliados e resolveu não se envolver.
Depois que 10 soldados belgas integrantes da missão da ONU em Ruanda foram mortos, o contingente das tropas não foi reforçado, mas reduzido diante do aumento da violência. O número de mortes ficou entre 800 mil e um milhão de pessoas.
O Massacre de Srebrenica
Outra missão de grande impacto para as tropas de paz aconteceu um ano depois, durante a guerra da Bósnia. Apesar da presença in loco de uma unidade holandesa da ONU, o massacre de Srebrenica não pode ser evitado. Em julho de 1995 as forças sérvias mataram cerca de 8 mil muçulmanos bósnios. O comandante dos boinas azuis à época, Thomas Karremanns, disse em sua defesa que por várias vezes solicitou ajuda da Otan, mas o apoio nunca chegou.
Do lado bósnio cresceram as acusações de que os soldados da ONU teriam deixado as tropas sérvias agirem de propósito. Houve até mesmo acusações de que as tropas teram ajudado no genocídio. Até hoje o processo não foi totalmente esclarecido.
Autor: Lewis Gropp (msb)
Revisão: Francis França