Trabalhador pode pagar conta da crise
23 de março de 2017A Câmara dos Deputados aprovou na noite de terça-feira (22/03) um projeto controverso sobre terceirização e trabalho temporário, que vinha se arrastando no Congresso desde 1998 e que o governo Michel Temer defende como necessário para gerar empregos.
Parte dos esforços do governo para recuperar a confiança na economia e acelerar a retomada do crescimento, a legislação provocou uma série de críticas de grupos da oposição e de sindicatos, que temem uma precarização do mercado de trabalho do país.
Segundo Katharina Hofmann, vice-diretora da Fundação Friedrich Ebert no Brasil, a lei "deve mudar o Brasil" de uma forma radical e é "perigosa", sobretudo por seu efeito sobre as greves - a medida autoriza empresas a substituir funcionários em paralisação por trabalhadores temporários.
"O governo está promovendo um retrocesso", afirma a vice-diretora da Friedrich Ebert, organização ligada ao Partido Social-Democrata alemão e que mantém vínculos com a CUT.
Hofmann afirma que promover a terceirização "é ainda mais preocupante no contexto brasileiro, já que o país não conta com uma rede de apoio social ampla para amparar trabalhadores que ganham pouco". Segundo Hofmann, a "a própria ideia de terceirização é algo antissocial, que não permite criar relações estáveis".
Para Beate Forbriger, diretora da Fundação Friedrich-Naumann no Brasil, de tendência liberal, os políticos brasileiros deveriam era pressionar por reformas na CLT em vez de passar leis que tentem contornar a atual legislação, que ainda conserva muitos aspectos da década de 1930.
"A legislação trabalhista precisa ser flexibilizada e acompanhar as mudanças do Brasil, mas estamos falando da CLT", opina. "Projetos como esse da terceirização apenas contornam o problema e podem ter efeitos imprevisíveis. É preciso reformas que flexibilizem e incentivem a contratação, e não mecanismos que podem ter o efeito oposto."
Como é hoje
No momento, a terceirização em empresas só é permitida para as chamadas atividades-meio, empregos que não são diretamente ligados à atividade final da companhia ou instituição. Isso permite que uma montadora de automóveis, por exemplo, tenha faxineiros ou guardas terceirizados, mas não operários da linha de produção.
A responsabilidade sobre esses trabalhadores terceirizados é hoje solidária, ou seja, dividida entre a empresa terceirizada e aquela que usa seus serviços. Assim, um trabalhador terceirizado também pode cobrar pagamento de direitos trabalhistas da contratante.
A regulamentação atual também só permite a contratação de trabalhadores temporários por um período máximo de três meses. Hoje esses contratos só podem ser aplicados para substituir trabalhadores doentes ou em férias ou quando há aumento da demanda - por exemplo, quando uma loja precisa de mais trabalhadores no período de compras de Natal.
Como deve ficar
O texto permite terceirizar qualquer atividade em todos os setores. Dessa forma, uma montadora passa a poder contratar uma empresa terceirizada que vai fornecer operários para montar seus carros. A medida também inclui o setor público e permite a ampliação da categoria de terceirizados em instituições governamentais - com exceção de algumas carreiras como a policial ou judiciária.
A responsabilidade solidária também passa a valer em último caso. Assim, a contratante só deverá pagar por eventuais dívidas trabalhistas se a empresa terceirizada não conseguir honrar seus débitos.
O período de duração de um contrato de trabalho temporário passa para até nove meses. Esses contratos também poderão ser permitidos em circunstâncias mais amplas, "como fatores imprevisíveis".
Consequências
Membros do governo Temer, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmaram que o projeto vai ajudar a criar vagas e melhorar a situação de trabalhadores na informalidade.
Já sindicatos apontam para o risco de precarização do mercado de trabalho. Segundo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o projeto não tem mecanismos para impedir que empresas demitam funcionários contratados em regime de CLT e substituí-los por um exército de terceirizados, seja de trabalhadores de empresas terceirizadas ou os chamados "PJs" (Pessoas jurídicas).
A CUT também aponta que o projeto deve ter consequências sobre a Previdência Social, já que trabalhadores terceirizados e empresas que arregimentam essa mão de obra costumam contribuir menos.
Em 2013, uma pesquisa do Dieese apontou que trabalhadores terceirizados recebiam em média 24,7% a menos que os contratados em regime de CLT e trabalhavam três horas a mais. Hoje, pelo menos 12 milhões de brasileiros trabalham nesse regime. A mesma pesquisa também cita algumas empresas e aponta que o número de acidentes de trabalho de terceirizados é bem maior do que entre os diretos.
O Ministério Público do Trabalho advertiu que a terceirização no setor público "abre caminho para o retorno do nepotismo" em órgãos de governo, apontando que parentes ou apadrinhados de políticos poderão usar a lei como brecha.
Já a permissão de que contratos de trabalho temporários sejam permitidos em outras situações, os tais "fatores imprevisíveis", autorizam empresas substituir funcionários em greve por trabalhadores temporários - ou terceirizados - , efetivamente anulando essa forma de protesto.