Toffoli defende censura do STF a reportagem
18 de abril de 2019O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, rechaçou censura e defendeu nesta quinta-feira (18/04) a decisão judicial de retirar do ar uma reportagem do site O Antagonista e da revista digital Crusoé.
"Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim", afirmou Toffoli em entrevista ao jornal Valor Econômico. "É necessário mostrar autoridade e limites. Não há que se falar em censura neste caso da Crusoé e do Antagonista."
Segundo o ministro, os veículos de comunicação orquestraram uma narrativa "inverídica" para constranger o STF em meio ao debate e à iminente decisão do tribunal sobre a prisão após julgamento em segunda instância.
Seu colega de tribunal, ministro Marco Aurélio Mello, no entanto, demonstrou publicamente um entendimento diferente. Ele comparou hoje as ações do STF contra o site e a revista digital a uma “mordaça”.
"Mordaça. Isso não se coaduna com os ares democráticos da Constituição [do Brasil] de 1988. Não temos saudade do regime pretérito [ditadura militar que governou o país entre 1964-1985]. E não me lembro nem no regime pretérito, que foi regime de exceção, de medidas assim, tão virulentas como essa", disso Mello, em declarações à Rádio Gaúcha.
Os veículos de comunicação censurados publicaram uma reportagem em que afirmam que a defesa do empresário Marcelo Odebrecht juntou em um dos processos contra ele na Justiça Federal um documento no qual afirma que o indivíduo mencionado num e-mail como "amigo do amigo do meu pai" era Toffoli, que, na época, era advogado-geral da União.
A explicação de Odebrecht se refere a um e-mail de julho de 2007, em que tratava com o advogado da empresa e com outro executivo sobre se tinham feito um acordo com o "amigo do amigo de meu pai". Não há menção de pagamentos ou irregularidades.
O presidente do STF sugeriu existir um vínculo entre a agenda do tribunal e a reportagem que relatava o esclarecimento do empresário. A explicação foi anexada aos autos da Lava Jato em 9 de abril, e a reportagem foi ar dois dias depois.
"É ofensa à instituição à medida que [sic] isso tudo foi algo orquestrado para sair às vésperas do julgamento em segunda instância. De tal sorte que isso tem um nome: obstrução de administração da Justiça", alegou Toffoli.
O julgamento no STF estava agendado para 10 de abril, mas foi retirado da pauta seis dias antes. A reportagem foi publicada em 11 de abril – portanto, depois de o STF alterar sua agenda.
Para Toffoli, o e-mail com o codinome "amigo do amigo do meu pai" "não diz nada com nada". O ministro afirmou ainda que, enquanto atuou como um simples juiz do STF, nunca entrou com nenhuma ação contra uma publicação da imprensa, mas agora que é presidente da corte o fez por considerar que esta sofreu um ataque institucional.
"Quando era ministro, sem ser presidente, nunca entrei com ação [contra uma publicação], nunca reclamei. Mas agora é uma questão institucional. Ao atacar o presidente, estão atacando a instituição", disse ao Valor Econômico.
A decisão contra o site O Antagonista e a revista digital Crusoé foi tomada pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito de um controverso inquérito aberto pelo próprio STF em março para investigar supostas "fake news", ofensas e ameaças a membros da corte. Moraes estipulou ainda como multa o valor de 100 mil reais por cada dia que a reportagem permanecesse no ar.
Segundo O Antagonista e a revista digital Crusoé, o documento citado na reportagem foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que a procuradora-geral Raquel Dodge pudesse analisar a possibilidade de avançar com uma investigação.
Num comunicado oficial divulgado na sexta-feira, a PGR afirmou que não recebeu nenhuma documentação e não comentou o conteúdo da reportagem.
No entanto, nesta semana, um juiz federal retirou do inquérito sobre Odebrecht que corre na Lava Jato o documento que cita Toffoli.
Após uma série de críticas de entidades que representam a imprensa, Toffoli afirmou, na quarta-feira, que a liberdade de expressão não pode servir à alimentação do ódio e da intolerância, e que o uso abusivo deste direito coloca em risco as conquistas da Constituição brasileira.
"Liberdade de expressão não é absoluta. As liberdades não são incondicionais. O Brasil é plural e tolerante, com respeito às diferenças", disse Toffoli numa palestra na Congregação Israelita Paulista.
O caso também provocou manifestações do governo. O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, afirmou que a decisão do STF configura censura.
"Eu já declarei que considero que foi um ato de censura isso aí. Óbvio que está no seio do Judiciário, é uma decisão tomada pelo STF e compete ao Judiciário chegar a um final melhor disso aí tudo", disse Mourão. "Não quero tecer críticas ao Judiciário. Cada um sabe onde aperta os seus calos. Espero que se chegue a uma solução de bom senso nisso aí. Acho que o bom senso não está prevalecendo", concluiu.
Já o presidente Jair Bolsonaro foi menos direto. Durante uma cerimônia das Forças Armadas em São Paulo, ele disse que já teve conflitos com a mídia, mas que o trabalho dos profissionais do setor é necessário para que "a chama da democracia não se apague".
"Precisamos de vocês, cada vez mais, com palavras, letras e imagens que estejam perfeitamente emanadas com a verdade. Nós, juntos, trabalhando com esse objetivo, faremos um Brasil maior, grande e reconhecido em todo o cenário mundial. É isso que nós queremos, que as pequenas diferenças fiquem para trás", disse o presidente.
PV/JPS/lusa/ots
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