“Sou uma estrela – me tratem mal!”
16 de janeiro de 2004Um aquário vazio com uma abertura no lado inferior para colocar a cabeça. Com uma máscara de mergulho na cabeça e um snorkel (tubo) para respirar na boca, era preciso esperar o cubo encher de água, até tapar o queixo e por fim o rosto todo.
Enquanto Daniel Küblböck, candidato do novo reality show alemão Ich bin ein Star - Holt mich hier raus! (“Sou um estrela – me tirem daqui”), esperava a água subir, só sabia que junto viriam enguias e “algumas surpresas”. Primeiro apareceram peixinhos dourados diante dos seus olhos, logo atrás: uma aranha aquática. Foi o momento em que o rapaz de 18 anos entrou em pânico, arrancou a cabeça do vidro e fugiu chorando.
Garantia do sucesso: sadismo
No estilo Big Brother, dez chamadas “estrelas” – atrizes, esportistas ou cantores de segunda classe – vivem juntos em plena selva da Austrália por duas semanas. Quem não agüenta mais as humilhações e a vigilância permanente pelas câmeras, pede ao público: “Me tirem daqui!”. Mas a volta ao mundo civilizado está nas mãos dos espectadores. Eles é que decidem pelo voto quem sai e quem fica.
O grande sucesso do novo show, lançado pela emissora comercial RTL, tem uma razão simples: o prazer do público com o sofrimento alheio. Quanto mais o candidato sofre, tanto mais espectadores ligam seu televisor. À estréia assistiram 4,85 milhões de pessoas, quatro dias depois já foram em torno de 7,18 milhões.
Baixaria – nada de novo
Fenômeno já bem conhecido no Brasil: programas de baixo nível, seja na Globo, SBT ou Rede TV, já viraram costume. A lista é grande: começa pelo vocabulário impróprio, apelo sexual e discriminação racial e termina por apologia e incitação ao crime, inclusive à prática da tortura. O princípio de programas baseados no sadismo funciona no Brasil como agora na Alemanha. Mas parece que no Brasil alguns já estão cansados de ver tanto mau gosto.
No segundo semestre de 2002 a Comissão de Direitos Humanos lançou uma campanha com o slogan “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” para estimular os espectadores a não assistirem a programas que desrespeitam os direitos humanos e para incentivar os consumidores a não comprarem produtos das empresas que os patrocinam.
Campanha sem reversão, mas com resultados
A campanha não mudou o hábito da maioria dos brasileiros de assistir a programas desse tipo. Mas parece que está começando a mudar um pouco o hábito das emissoras e apresentadores. Isto porque a Comissão conclamou os espectadores a denunciarem os programas de baixo nível pela internet. Na lista dos mais denunciados encontravam-se: O Domingo Legal, de Gugu Liberato, o Canal Aberto e Eu vi na TV, de João Kleber, o Programa do Ratinho, o Big Brother Brasil e o Faustão. Mas João Kleber, por exemplo, conseguiu sair da lista. Procurou os líderes da campanha, oferecendo mudar seu programa. Gugu Liberato, por sua vez, prometeu incluir no seu matérias jornalísticas de interesse social.
E, sabidamente, em meados de 2003 foi apresentado na Câmara de Deputados um projeto de lei que cria o Código de Ética da Programação Televisiva.
Mais aranhas aquáticas na tela
Por enquanto, na Alemanha não existe um site na internet para coletar queixas, porém a entidade responsável pelo monitoramento das mídias na Baixa Saxónia já está discutindo se esse tipo de reality show viola os direitos pessoais ou a dignidade humana. Mas parece que a emissora RTL pode ficar tranquila. “Os candidatos não são cidadãos comuns, mas pessoas acostumadas a se expor à opinião pública e que sabem como lidar com a mídia. Por isso não precisam de uma proteção especial”, disse Uta Spiess, porta-voz da entidade estadual.
Nem mesmo uma decisão em nível federal deixa a RTL nervosa. Caso seja decidido que a concepção do programa tenha de ser mudada, ou que a emissora tenha de pagar uma multa, existe a possibilidade de recorrer a um tribunal. E a RTL sabe que um processo judicial demora. Demora tanto que a decisão – seja qual for – nunca atingirá o atual show.