Eduard Shevardnadze
6 de agosto de 2009Em entrevista à Deutsche Welle, o ex-presidente da Geórgia Eduard Shevardnadze avaliou a atual situação em seu país, como também as tensões políticas internas e externas em torno da Abkházia e da Ossétia do Sul.
Para ele, a Geórgia não perdeu as províncias separatistas. "Se essas regiões não forem devolvidas à Geórgia voluntariamente, por iniciativa da Rússia, então a situação começará a efervescer na Rússia. Não será apenas uma simples efervescência, mas um movimento de independência", avaliou, numa referência a tchechenos, inguchos, cabardinos, tártaros e outros povos.
A guerra de cinco dias que começou na noite de 7 para 8 de agosto de 2008 terminou com a derrota das tropas georgianas. Desde então, Moscou e Tbilisi culpam-se mutuamente pelo conflito em torno das províncias separatistas da Geórgia.
Nesta quinta-feira (06/08), a Rússia defendeu o reconhecimento da independência da Ossétia do Sul. Segundo o vice-ministro russo das Relações Exteriores, Grigori Karasin, essa seria a maior garantia para que a Geórgia não tente mais uma vez incorporar a Ossétia do Sul através do uso da força. O ataque das tropas georgianas à "Ossétia do Sul adormecida" foi uma ação "irresponsável e criminosa", afirmou o vice-ministro.
Após o lançamento de mísseis pela Geórgia, a Rússia enviou tropas às províncias separatistas. No final de agosto de 2008, depois do fim da guerra, Moscou reconheceu a independência das duas províncias, provocando protestos na comunidade internacional. Para evitar um possível ataque da Geórgia, soldados russos estão até hoje estacionados na Abkházia e na Ossétia do Sul.
Um ano após o início do conflito, a Geórgia insiste com os Estados Unidos pelo fornecimento de armas e a admissão na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). A Rússia é estritamente contrária à entrada da Geórgia na Otan.
Um ingresso da Geórgia na Otan foi adiado, porque diversos Estados do bloco consideram imprevisível o presidente georgiano, Mikhail Saakashvili, como também veem o processo de democratização da Geórgia como insuficiente.
Deutsche Welle: Já se passou um ano desde a guerra na Ossétia do Sul. Como o senhor vê hoje os acontecimentos. Quem foi o culpado pelo derramamento de sangue?
Eduard Shevardnadze: Anteriormente, eu falava que ambos os lados tinham culpa. Em primeira linha, no entanto, o lado georgiano, porque fomos os primeiros a avançar sobre a região. Todavia, desde que foi formada a comissão sob a chefia da especialista suíça Heidi Tagliavini, eu prefiro resguardar minhas opiniões, porque somente no fim de agosto o relatório [da comissão] será apresentado. Trata-se de especialistas muito bons e eles devem chegar a um resultado.
Ou seja, o senhor confia na comissão de Tagliavini?
Sim, são especialistas sérios.
Mas, se o relatório de Tagliavini apontar que a Geórgia começou a guerra, então a relação com a Europa vai mudar...
Eu acho que esse não será o teor desse relatório. Ele talvez apontará que o avanço sobre a Ossétia do Sul foi um erro, caso sua comprovação seja realmente possível. Mas todo o resto – a ocupação da Geórgia, os muitos mortos e as casas destruídas e tudo o mais – não deve ser subestimado e deve ser adequadamente analisado.
O que deverá acontecer à Abkházia e à Ossétia do Sul. A Rússia as declarou independentes, estacionando tropas lá. A Geórgia perdeu para sempre essas regiões?
Eu não acredito nisso. Se essas regiões não forem devolvidas à Geórgia voluntariamente, por iniciativa da Rússia, então a situação começará a efervescer na Rússia. Não será apenas uma simples efervescência, mas um movimento de independência. Os tchechenos, inguchos, cabardinos, tártaros e outros lutarão por suas independências.
Há pouco tempo, a Rússia vetou no Conselho de Segurança da ONU a prorrogação da missão da ONU que atuava na Ossétia do Sul. Anteriormente, devido à briga em torno do status da Ossétia do Sul, a missão da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) não foi prolongada. Por que Moscou está agindo desta forma?
Eles cometeram um erro. Se o presidente Medvedev tiver sido o responsável, então eu explicaria tal erro com a falta de experiência. Mas o ministro do Exterior é um diplomata bastante experiente, que trabalhou até mesmo na ONU. Foi um erro crasso.
Faz sentido enviar unidades da ONU para a Geórgia ou fortalecer os observadores? Isso pode colaborar para que surjam laços de confiança entre Geórgia, Abkházia e Ossétia?
A Rússia pode vetar qualquer decisão do Conselho de Segurança da ONU, caso essa não corresponda a seus próprios interesses. Mas qual foi o nosso erro? Se quiséssemos o apoio do Conselho de Segurança, então nosso presidente deveria ter voado para lá, ter participado e ter convencido a todos. Isso não foi feito.
O que pode ser feito para que as relações entre georgianos e ossetianos se normalizem? Um consenso com Moscou é absolutamente necessário?
Nós precisamos de um clima geral. Hoje, a situação depende muito dos Estados Unidos. Por falar nisso, acho que Medvedev fez um erro muito grosseiro ao ter aparecido em Zchinwali [visita de Medvedev à Ossétia do Sul em julho de 2009]. Isso não deveria ter acontecido.
Autor: Roman Goncharenko/Carlos Albuquerque
Revisão: Alexandre Schossler