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Sete pontos para entender a paralisia que ameaça a OMC

Nik Martin md
10 de dezembro de 2019

Órgão que define conflitos comerciais na Organização Mundial do Comércio deve deixar de funcionar após EUA bloquearem nomeação de novos juízes. Falta de quórum impede julgamento de apelações, afetando inclusive o Brasil.

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Letreiro com logomarca da OMC em metal sob céu nublado
OMC atravessa período sombrio com bloqueio dos EUA à nomeação de juízes para Orgão de ApelaçãoFoto: Getty Images/AFP/F. Coffrini

Por que a OMC enfrenta problemas?

A Organização Mundial do Comércio (OMC), organismo internacional que regula o comércio global de bens, serviços e propriedade intelectual, está enfrentando uma grande crise em seu processo de resolução de disputas. O Órgão de Apelação da OMC, que tem sido um dos mecanismos mais eficientes nos 25 anos de história da organização comercial, deve deixar de funcionar devido à falta de juízes.

Os Estados Unidos bloquearam nos últimos dois anos as nomeações de juízes para o órgão, muitas vezes apelidado de Supremo Tribunal de Comércio – ele funciona como um tribunal de recursos: países que perdem disputas comerciais nos painéis da OMC recorrem ao Órgão de Apelação, que analisa as petições e pode determinar sanções a contraventores. A entidade funciona por consenso, tornando possível que um único país consiga bloquear nomeações de árbitros.

O órgão normalmente possui uma equipe de sete juízes, e um mínimo de três é necessário para decidir sobre um recurso. Nesta terça-feira (10/12), dois dos três juízes restantes deixam seus cargos e, sem a escolha de substitutos, o sistema de resolução de disputas deixa de dispor do quórum necessário para decidir sobre os casos.

Quais são as principais queixas de Washington?

Embora o atual presidente americano, Donald Trump, tenha intensificado os ataques à OMC, acusando-a de tomar partido pela China e por outros rivais em disputas comerciais, o descontentamento de Washington com a organização em Genebra data de mais de uma década.

Os Estados Unidos acusam o Órgão de Apelação de extrapolar suas funções, e alegam que seus juízes acabaram criando, na verdade, novas leis comerciais. O país argumenta ainda que o órgão ameaça a soberania americana, já que a Constituição dos EUA não permite que um tribunal estrangeiro – neste caso, o Órgão de Apelação – substitua um tribunal americano.

Washington também contesta o método da OMC de calcular se um membro é culpado da prática de dumping (o ato de pôr à venda produtos mais baratos em mercados estrangeiros, para se desfazer de excedentes ou derrotar a concorrência, por exemplo).

O país questiona ainda os salários dos juízes do Órgão de Apelação e reclama que eles demoram muito para tomar decisões.

A equipe comercial de Trump intensificou uma luta iniciada por seu antecessor, Barack Obama, acusando juízes de violarem os interesses dos EUA em favor da China. Enquanto isso, Pequim acusa Washington de montar um "bloqueio ilegal" ao impedir a nomeação de árbitros.

Washington inclusive ameaçou bloquear o orçamento da OMC para 2020 por causa da disputa, mas na semana passada apoiou um compromisso orçamentário provisório – que inclui, contudo, cortes substanciais no Órgão de Apelação.

O que querem os americanos?

Segundo analistas políticos, Washington acredita que seus interesses nacionais são melhor atendidos quando o país contorna a OMC e negocia acordos comerciais bilaterais com seus principais parceiros.

"Os EUA agora estão mais interessados ​​em utilizar o jogo de forças em vez de operar de acordo com o sistema internacional baseado em regras", disse à DW o economista Martin Braml, do Instituto IFO de Munique.

Como a paralisação será sentida?

O Órgão de Apelação da OMC passa a não ser mais a última instância nas disputas comerciais internacionais. A paralisação provavelmente levará a um acúmulo de casos, e poderá fazer com que países deixem de cumprir as regras da OMC, já que a ameaça de sanções é menor.

"É difícil saber por quanto tempo essa disputa vai continuar, mas podemos ficar sem um painel [ou um mecanismo similar] por vários meses", afirma Braml.

Como reagem outros membros da OMC?

Washington rejeitou um novo plano de mais de cem países-membros para iniciar o recrutamento de novos juízes. Então, um diplomata em Genebra elaborou um plano para estabelecer um processo de apelação temporário similar ao do Órgão de Apelação. Os EUA dizem que não participarão dele.

Os planos despertaram a preocupação de que a integridade da OMC – e seu sistema baseado em regras – seja enfraquecida por esse movimento.

Até que uma solução permanente seja alcançada, é provável que as disputas comerciais sejam resolvidas por meio de arbitragem. Os membros da OMC ainda poderão registrar queixas, mas os países insatisfeitos com qualquer decisão podem simplesmente atrasar sua execução ao recorrer a um tribunal que está fora de atividade.

Alguns argumentam que nunca houve tamanha necessidade de um Órgão de Apelação em meio ao protecionismo defendido por Trump e a prolongada guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.

O Brasil pode ser afetado?

O Brasil poderá ser prejudicado em três queixas na OMC: uma contestação em relação aos subsídios dados a produtores de açúcar da Índia; o questionamento dos subsídios do Canadá à empresa Bombardier; e uma disputa sobre a implementação de resoluções da OMC sobre barreiras ao frango na Indonésia.

Se esses países perderem, há grandes chances de que eles recorram ao Órgão de Apelação, fazendo com que nada possa ser decidido devido à paralisia da entidade.

Trump está certo em criticar a OMC?

Petições por grandes reformas da OMC aumentaram nos últimos anos, especialmente depois que a China cresceu muito rapidamente e se tornou a maior parceira comercial do mundo. Apesar de ingressar no órgão comercial em 2001, Pequim adotou políticas agressivas de exportação e prometeu repetidas vezes – sem cumprir – abrir totalmente sua economia ao comércio exterior.

A OMC falhou inclusive em forçar a China, a Índia e a Coreia do Sul – bem como outros sete países do G20 – a aceitarem que agora são países avançados ou desenvolvidos. Ainda classificados como países em desenvolvimento, eles se beneficiam de um tratamento especial diante das regras do comércio global, que outros membros acusam de dar-lhes uma vantagem injusta.

Desde que assumiu o cargo, Trump acusou repetidamente a OMC de ser criada para o benefício de todos, exceto dos Estados Unidos.

Enquanto o presidente alega que Washington perde quase todos os processos comerciais, seu ex-colega mexicano Ernesto Zedillo Ponce de León afirmou recentemente em um artigo de opinião que os EUA são os usuários mais frequentes do Órgão de Apelação da OMC, e tiveram uma proporção maior de vitórias do que outros países que apresentaram queixas.

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