França
16 de maio de 2008Esta não foi definitivamente a semana de Nicolas Sarkozy. Embora o presidente francês veja a si próprio como um vencedor absoluto, que conduz reformas estrondosas em seu país e, ainda de tabela, trata de implementar mudanças na União Européia, surge em seu próprio partido, o UMP (União por um Movimento Popular), uma resistência nada discreta a sua pessoa.
A primeira derrota de Sarkozy se deu na última terça-feira (13/05): a proposta do Partido Comunista de derrubar a chamada "lei do milho transgênico" foi supreendentemente acolhida pela Assembléia Nacional com uma maioria apertada. Isso num Parlamento no qual o Partido Conservador, de Sarkozy, dispõe de quase dois terços das cadeiras.
A segunda ducha de água fria para o presidente viria na quarta-feira (14/05): a Comissão Extraordinária, dominada pelo UMP, rejeitou a proposta de uma reforma constitucional. Nos dois casos, no entanto, as propostas ainda podem, com o auxílio de regras consideravelmente complicadas, ser aprovadas pelo Parlamento.
"Homem em dificuldades"
Dos quatro votos contra a reforma dentro da Comissão, três vieram de membros do partido de Sarkozy. "Os parlamentares não acreditam mais no funcionamento de suas reformas. Sua personalidade e seus métodos os deixam apreensivos", afirmou recentemente um deputado do UMP.
Segundo Wolfgang Neumann, do Instituto Franco-Alemão de Ludwigsburg, Sarkozy desprezou a Assembléia Nacional, ao considerar a mesma um mero órgão de despachos. Isso teria desencadeado a reação dos parlamentares, responsáveis pelos fracassos na aprovação de propostas do governo. Em meados de março último, o UMP já teve que amargar boas perdas nas eleições municipais.
Sarkozy é "um homem em dificuldades", explica Philippe Moreau Defarges, do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), sediado em Paris. "Ele tem, acima de tudo, um problema de comunicação", afirma o analista. Há meses que o clima se tornou péssimo nos bastidores do UMP: ministros e vice-ministros se opõem uns aos outros e as críticas ao estilo autoritário de Sarkozy ecoam cada vez mais alto.
Até a relação do presidente com o premiê François Fillon parece ter sofrido. Em parte porque o primeiro-ministro foi obrigado a assumir publicamente determinados erros, que, na verdade, teriam que ter sido atribuídos ao presidente. Por essas e por outras, a imagem de Sarkozy, segundo uma enquete feita no país, está arranhadíssima. Mais de 65% dos franceses não vêem sua presidência com bons olhos.
Promessas não cumpridas
Antes de assumir o cargo, Sarkozy havia prometido "não decepcionar" os franceses. Passado um ano, o poder aquisitivo da população diminuiu e a economia está crescendo muito mais lentamente que em outros países da UE.
O presidente não é, sozinho, o responsável pela miséria política, diz Moreau Defarges, uma vez que as dívidas públicas são uma herança do governo Chirac, a serem pagas sob um controle acirrado da UE, que ameaça com uma advertência ao país.
"Mas Sarkozy também está pagando pelos próprios erros", diz o especialista, que vê como fracassadas as tentantivas de polir a imagem do presidente, ao apresentá-lo na mídia como um homem próximo ao povo e um estadista. Acima de tudo, o propósito de expor sua vida privada prejudicou enormemente sua popularidade, acredita Moreau Defarges.
Mudanças mais que necessárias
Aos poucos, o presidente parece perceber que não se encontra no caminho certo. Em meados de abril último, ele já havia tentado, ao discursar frente às câmeras de TV, reaver a confiança da população. "Errei", assumiu o presidente publicamente.
Há poucos dias, uma equipe de consultores do governo reuniu-se com representantes do Parlamento, a fim de tentar sanar a série de desavenças e arestas surgidas nos últimos tempos. Desde então, diminuíram tanto seus escorregões verbais, quanto as aparições públicas ao lado da nova mulher, Carla Bruni, ou de posse de mais um novo relógio caríssimo no braço, à mostra.
Em termos de conteúdo, Sarkozy deveria continuar a dar curso às reformas anunciadas, defende Moreau Defarges. "Ele não tem escolha", diz o especialista. De inerte, porém, o presidente francês não pode ser acusado. Desde que assumiu o cargo, há um ano, reduziu os impostos a fim de aquecer a conjuntura, cortou os subsídios à família e impôs a extinção da aposentadoria precoce para funcionários públicos.
Neste pouco tempo de governo, o "onipresidente" Sarkozy levou à frente nada menos que 55 projetos de reformas. Projetos demais, apontam as vozes críticas. "Ele não tem uma linha definida e deveria se concentrar em áreas primordiais", diz Neumann.
Revolta de palácio ou revolução de verdade?
Entre os setores mais importantes que carecem de uma reforma está a previdência e o sistema de saúde, além da necessidade de redução de pessoal no serviço público, contra a qual houve na última quinta-feira manifestações no país.
Se Sarkozy, apesar de todas as resistências, conseguir levar adiante sua política de reformas, procurando o diálogo, é possível que ainda possa reaver a confiança da população, acreditam os analistas políticos. "Para ter sucesso, ele precisa mudar o conteúdo de suas propostas e seu estilo pessoal – a fim de evitar que de uma revolta de palácio dentro do próprio partido acabe surgindo uma revolução de verdade."