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"Sanções à Rússia podem ser tiro no pé"

Michael Borgers
14 de março de 2018

Wolfgang Ischinger, chefe da Conferência de Segurança de Munique, alerta para retaliação diplomática de Londres contra Moscou. Ele vê como delicada a costura de uma resposta internacional ao envenenamento de ex-espião.

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Wolfgang Ischinger durante coletiva de imprensa na Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro de 2018
O alemão Wolfgang Ischinger, chefe da maior conferência de segurança do mundoFoto: picture-alliance/Anadolu Agency/C. Karadag

Depois do anúncio da primeira-ministra britânica, Theresa May, de retaliações diplomáticas contra a Rússia devido ao envenenamento, na Inglaterra, do ex-espião russo Sergei Skripal e sua filha, Moscou afirmou, também nesta quarta-feira (14/03), que deverá reagir em breve às medidas, que incluem a expulsão de 23 diplomatas russos do Reino Unido.

Leia também: Reino Unido anuncia expulsão de 23 diplomatas russos

Para o chefe da Conferência de Segurança de Munique, Wolfgang Ischinger, o esfarelamento das relações diplomáticas entre Londres e Moscou não deverá ser solucionado em breve.

"A eleição russa será realizada daqui a poucos dias", disse o ex-embaixador alemão em Londres em entrevista à DW. "Isso não vai exatamente aumentar a disponibilidade russa de dar grandes declarações públicas sobre o caso ou até de iniciar atividades conjuntas com o governo britânico afetado."

O diplomata e especialista em segurança também alertou para retaliações bilaterais, especialmente financeiras, que podem ser "um tiro no próprio pé", já que a Rússia poderia recorrer a outras instâncias de financiamento no plano internacional.

Ischinger também vê como delicada a costura de uma resposta internacional ao envenenamento de Skripal, já que a questão de se houve ou não um "autor estatal" do crime ainda "não está suficientemente esclarecida".

DW: A primeira-ministra britânica Theresa May anunciou "medidas drásticas" na segunda-feira (12/03) para o caso de a Rússia não se explicar no caso do ex-espião Sergei Skripal, que foi envenenado. O governo em Moscou deixou que o ultimato expirasse, e May se reuniu com seu Conselho de Segurança. A conclusão: 23 diplomatas russos deverão ser expulsos do Reino Unido. Esse passo é correto?

Wolfgang Ischinger: Sabemos que, se expulsarmos um funcionário da embaixada russa, um funcionário britânico em Moscou também será expulso. É o "tit for tat", ou "olho por olho, dente por dente". No final, o efeito pode ser sentido dos dois lados – ou não. Isso é um aspecto.

A segunda coisa é a questão se e até que ponto esse processo pode ser tão solidificado que os parceiros do Reino Unido também se revelem mais ou menos disponíveis a compartilhar da análise feita pelos britânicos e dizer: obviamente, houve responsabilidade, ou ao menos corresponsabilidade, da Rússia.

Se esse for o caso – e, agora, digamos que é –, surge a pergunta: os parceiros do Reino Unido (ou seja, a União Europeia) podem se unir numa linha comum? Ou seria até possível esperar uma reação conjunta da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)? Na manhã desta quarta-feira (14/03), tive a impressão de que, ao menos nos círculos do Parlamento Europeu, ainda não se tinha a opinião unânime de falar indubitavelmente que "foi assim e que vamos decidir nessa base".

É possível esperar isso?

Estou partindo do pressuposto de que haja conversações que, espero, levem à conclusão de não deixarmos o Reino Unido sozinho na superação desse processo e que, agora, se chegue a uma frente unida.

Mas vejo com ceticismo a possibilidade de que esse processo possa ser solucionado de alguma forma e num período previsível. Meu ceticismo tem diferentes motivos, até porque a eleição russa será realizada daqui a poucos dias. Isso não vai exatamente aumentar a disponibilidade russa de dar grandes declarações públicas sobre o caso ou até de iniciar atividades conjuntas com o governo britânico afetado.

"Têm uma semana para deixar o país"

Há outras possibilidades de sanção em discussão, por exemplo medidas restritivas financeiras. Estas poderiam atingir mais fortemente a Rússia?

No caso de sanções financeiras, a pergunta que surge imediatamente é: quem vai tomar essas medidas? Se forem sanções britânicas, teme-se que estas não sejam nada mais do que um tiro no próprio pé. É que, provavelmente, a Bolsa de Valores de Londres sofreria as consequências no mínimo tanto quanto o lado russo. E o lado russo, se forem apenas restrições britânicas, procuraria auxílio junto a outros bancos ou instituições financeiras. Portanto, pensando em medidas que vão além das puras sanções bilaterais, aqui já surge rapidamente a seguinte questão: faz sentido [empreender] algo que não foi votado de forma ampla – pelo menos no âmbito da UE e com os parceiros da Aliança Atlântica?

Em todas essas reflexões sobre possíveis alianças, que papel desempenha a saída do Reino Unido da União Europeia?

Num primeiro momento, nenhum, porque o Reino Unido ainda é membro da UE. E até o dia da saída, devemos a eles, e o Reino Unido naturalmente também deve ao bloco, a lealdade necessária. E, atualmente, o Reino Unido não é um membro com estatuto reduzido, mas um membro de pleno direito da União Europeia. Também para os britânicos, vale o Artigo 42 do Tratado da União Europeia, ou seja, o dever de apoio em caso de ameaças de crise desse tipo.

A questão é: está claro o suficiente que houve um autor estatal [do envenenamento]? E, se houver um criminoso estatal – ou seja, a Rússia, conforme se anda afirmando – os indícios são tão nítidos que não podem ser questionados por ninguém durante uma discussão? Acho que essa questão dos fatos ainda não foi suficientemente esclarecida.

Então, as especulações publicadas pelo diário britânico The Guardian, de que o governo em Londres poderia declarar a Rússia um "patrocinador estatal do terrorismo", é um cenário irrealista?

Eu só consideraria isso ponderável se, de fato e sem nenhuma dúvida, ficar claro que uma instituição estatal russa é responsável. Vou inventar um cenário que poderia ser no mínimo tão realista como o envolvimento de algum serviço russo: poderia ser possível que a substância com a qual Sergei Skripal foi envenenado caiu nas mãos de forças políticas não-controladas na Rússia ou de algum dos Estados da antiga União Soviética.

Nesse caso, na minha visão, o contexto de ameaça à política de segurança seria até pior do que se soubéssemos que foi a Rússia. Se não pudermos determinar quem foi, mas soubermos que há alguém por aí que pode usar essa substância para envenenar outras pessoas ou uma cidade inteira depois de amanhã, teremos o tema clássico de um potencial alarmismo maciço e de um tipo de terrorismo de armas químicas. Também não é um cenário bonito. Não digo que seja assim, digo apenas que esse também poderia ser o caso.

Todo esse debate está gerando comparações recorrentes com 2006, quando Alexander Litvinenko [outro espião russo] foi assassinado. Foi o ano em que o senhor se tornou embaixador alemão em Londres. Como o senhor viveu aquela situação? Também naquela época, foram decretadas sanções e diplomatas foram expulsos.

Certo, mas, naquela época, as medidas ficaram basicamente restritas a sanções bilaterais – e, depois de algum tempo, aquilo foi mais ou menos caindo no esquecimento e o Reino Unido voltou a normalizar as relações [com a Rússia].

Por outro lado, desde aquela época, os laços britânico-russos naturalmente sofreram um certo abalo. Desde então, a política do Reino Unido para a Rússia passou a funcionar em banho-maria. O Reino Unido opera sua política russa especialmente pelo fato de ter sucesso em atrair muito capital e muitos russos ricos para o centro financeiro de Londres. Assim, muito dinheiro russo foi transferido da Rússia para Londres.

Agora, isso significa um dilema em especial para o lado britânico, porque ela também precisa considerar a seguinte questão em suas respostas: o quanto vamos prejudicar a nós mesmos se adotarmos sanções bilaterais?

Em outras palavras, a situação não está fácil, e eu não invejo o governo May em relação a pensar sobre qual é a melhor maneira de agir nesse caso.

Que riscos esse conflito entre o Reino Unido e a Rússia traz para a comunidade internacional?

Eu acho péssimo porque as nossas relações já estão em declínio há algum tempo. E se ainda for adicionada a esse déficit de confiança a suspeita de que a Rússia ordenou, tolerou ou causou o ataque por negligência, a confiança será ainda mais prejudicada.

Eu vejo que o dia em que todos poderíamos começar a pelo menos tentar reconstruir a confiança com a Rússia está ficando cada vez mais distante. A consequência vai ser que teremos chances ainda menores de falar sobre controle de armamentos, sobre a construção de um relacionamento de confiança militar ou sobre a dissolução do conflito no leste da Ucrânia, e assim por diante. Estamos perdendo as esperanças – e espero que o lado russo também veja que esse cenário também não é do interesse russo. O maior capital que existe na diplomacia – a confiança – foi quebrado nesse caso.