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"Retórica de Trump lembra Hugo Chávez"

Eva Usi md
27 de janeiro de 2017

Ao arriscar relação com o México, presidente envia sinal de isolacionismo que pode fazer EUA verem sua liderança global abalada. Tom duro da política externa pode afetar relações com América Latina como um todo.

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Donald Trump
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Vucci

A relação entre o México e os Estados Unidos entra numa era de conflito nunca antes vista, após o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, ter cancelado a reunião agendada com seu homólogo americano, Donald Trump. O político latino-americano anunciou sua decisão após o magnata americano ter dito que ele deveria cancelar o encontro se não estivesse disposto pagar pela construção de um muro separando os dois países.

Analistas recordam não só o tratamento ofensivo dedicado por Trump aos mexicanos durante sua campanha e sua promessa de que tratará o tema migração com mão pesada. Ele também se mostra determinado a impor sanções tarifárias sobre as empresas que fabricam no vizinho do sul. E seis dias após tomar posse, o bilionário anunciou a realização de sua polêmica promessa eleitoral, de erguer um muro na fronteira mexicana.

Sinal problemático ao mundo

"É um sinal preocupante o que Trump lança ao mundo, independente do grau de êxito que venha a ter na luta contra a migração", avalia o cientista político alemão Boris Vormann. "Os Estados Unidos mantiveram seu poder global se apresentando como uma nação ideal. Caso se isolem agora – e a construção deste muro é o exemplo mais claro, juntamente com o protecionismo e o veto aos imigrantes – estará abandonando essa posição que teve durante décadas, algo que Trump subestima gravemente."

Vormann adverte que, embora alguns postos de trabalho nas fábricas estejam retornando aos Estados Unidos por pressão direta de Trump sobre as montadoras de automóveis, é muito provável que o presidente enfrente ventos contrários quando precisar do voto do Congresso para impor sanções, à medida que sua popularidade cair.

O cientista político destaca que quem apoiou Trump – excluindo os nacionalistas, que são outra questão – o fez esperando bem-estar social, que não obterá através desses novos empregos na indústria. "Não são empregos que fazem as pessoas particularmente felizes, são muitas vezes prejudiciais à saúde e são muito repetitivos. Na verdade, essa coisa de recuperar postos de trabalho é um show, uma política de simbolismo", conclui Vormann.

Fronteira entre México e EUA
Fronteira entre México e EUA: tráfico de drogas não será paralisado pelo muro, diz analistaFoto: picture-alliance/dpa/L. W. Smith

Demanda por drogas nos EUA

Por sua parte, Christopher Sabatini, especialista em política internacional da Universidade de Columbia, em Nova York, destaca que o muro tem sido promovido para controlar o tráfico de drogas e a imigração. "No entanto, existem outras maneiras de contrabandear drogas para os Estados Unidos. Durante muito tempo, o tráfico foi realizado através da orla, agora ele é feito por ônibus de passageiros e caminhões com mercadorias."

"Preocupante é a demanda americana por drogas, porque se ela continua, o tráfico de drogas não pode ser facilmente impedido", conclui o politólogo. O México é o principal fornecedor de heroína dos Estados Unidos, de acordo com a Drug Enforcement Administration (DEA), agência americana de combate ao tráfico de drogas.

Sabatini ressalta que o tom ofensivo de Trump em relação ao México tem sido inadequado para construir uma cooperação bilateral entre os países. "Ele tem sido extremamente agressivo, tanto ao aludir à sua economia, ao Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), ou no tratamento dos imigrantes legais e indocumentados mexicanos, chamando-os de estupradores e criminosos."

Sabatini, diretor executivo e editor do portal de análises políticas Latin America Goes Global, ressalta que Trump está cumprindo suas promessas de campanha. Para ele, o tom populista do Trump lembra o falecido presidente venezuelano Hugo Chávez: "Chávez cumpriu tudo o que disse quando chegou ao poder, ameaçou seus adversários e os eliminou." Cabe esperar que as instituições americanas sejam mais fortes que as da Venezuela.

Rex Tillerson à frente da política externa

O empresário Rex Tillerson foi aprovado para ocupar o cargo de secretário de Estado pelo Comitê de Relações Exteriores do Senado dos EUA, o que abre o caminho para que obtenha a confirmação plena pelos membros do órgão, na votação agendada para a próxima segunda-feira.

Empresário Rex Tillerson, indicado por Trump para posto de secretário de Estado
Empresário Rex Tillerson, indicado por Trump para posto de secretário de EstadoFoto: Reuters/J. Ernst

Apesar do voto unânime dos dez senadores democratas contra Tillerson, ele recebeu onze votos republicanos, incluindo os de John McCain, Lindsay Graham e Marco Rubio, os políticos que expressaram mais dúvidas sobre a nomeação dele por seus vínculos com a Rússia.

"É muito provável que a administração Trump endureça sua política em relação a Cuba, por causa das pessoas que estão em sua equipe de transição, gente linha dura de Miami. Isso pode causar uma reação de endurecimento por parte do regime cubano", diz Sabatini.

O especialista destaca que talvez as declarações mais curiosas do indicado por Trump para comandar a política externa americana diante dos senadores tenham a ver com o Plano Colômbia, que Tillerson chama de um dos grandes sucessos da política dos EUA na região.

O provável secretário de Estado anunciou que vai rever o Acordo de Paz e analisar até que ponto os Estados Unidos continuarão apoiando a Colômbia. "Essa ameaça existe porque políticos colombianos que se opõem ao processo de paz buscam apoio entre os linhas-duras do Congresso americano, mas se Washington não apoiar o acordo de paz, estará prejudicando os sucessos de sua própria política."