Restaurar credibilidade da OMC é desafio para nova chefe
16 de fevereiro de 2021Ngozi Okonjo-Iweala, recém-nomeada diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), tem muito trabalho pela frente. Porque após o fim do mandato de Donald Trump como presidente americano, partes da organização da ONU com sede em Genebra estão em ruínas. E nada indica que os projetos de uma área de livre comércio transatlântica ou transpacífica com a participação dos EUA, que haviam fracassado com o ex-presidente, sejam reanimados em um futuro próximo – ou que a tendência dos últimos anos rumo a cada vez mais acordos comerciais bilaterais possa ser revertida rapidamente.
Em vez disso, a disputa comercial dos Estados Unidos com a China continua a arder, e a Organização Mundial do Comércio não conseguiu agir como mediadora nas disputas comerciais. Como os EUA bloquearam por anos – e não apenas desde a chegada de Trump à Casa Branca – a nomeação de novos juízes da OMC, o órgão de apelação (Appellate Body), responsável pela decisão final em disputas comerciais, está paralisado desde 2019.
E não são apenas os EUA que estão insatisfeitos com o procedimento de solução de disputas da OMC. Encontrar um novo regulamento que seja apoiado por todos os membros da organização é um dos desafios centrais para Okonjo-Iweala. Ela enfatizou repetidamente que deseja fazer reviver o órgão de arbitragem da OMC o mais rápido possível.
Iniciativas contra a covid-19
Em sua primeira coletiva de imprensa como diretora-geral eleita da organização, Okonjo-Iweala deixou claro que as coisas não podem continuar como estão. Doutora Ngozi, como é chamada por seus funcionários, anunciou na noite de segunda-feira (15/02) que quer adaptar as regras da OMC às novas condições da economia digital com seus serviços transfronteiriços. Além disso, também sublinhou que está determinada a dar a todos no mundo acesso a uma vacina contra a covid-19. Ela declarou guerra às barreiras comerciais existentes para insumos médicos, vacinas e ingredientes ativos.
Outro freio nos últimos anos vinha sedo o princípio da unanimidade da OMC em todas as decisões dos seus membros. Por isso, durante anos, os 164 Estados-membros não conseguiram chegar a um acordo sobre novas regras para a abertura de mercados e remoção de barreiras comerciais. Lisandra Flach, chefe do Centro para Comércio Internacional do Instituto Ifo de Munique, fala de uma verdadeira "paralisação nas rodadas multilaterais de liberalização do comércio".
O chefe do Instituto de Economia Mundial (IfW) de Kiel, Gabriel Felbermayr, acredita que a OMC deve estar preparada para "que atores importantes como a China ou os Estados Unidos continuem a lutar pela supremacia de seu sistema econômico e político no futuro previsível". Segundo ele, essas economias sempre tentarão dificultar os trabalhos da OMC em sua forma atual.
Felbermayr defende uma OMC a duas velocidades, que leve em consideração o fato de que dificilmente é possível fazer justiça aos diferentes interesses de 164 Estados-membros.
"Afinal, os membros da OMC vão de algumas das autocracias mais terríveis do mundo a democracias-modelo, todas com direitos de veto iguais", observa. "Para fazer justiça a essas diferenças de sistema entre seus membros, a Organização Mundial do Comércio deve introduzir uma espécie de sistema de clube, com vários graus de integração no sistema de regras e liberdades de política comercial, de acordo com os diferentes sistemas econômicos", propõe Felbermayer.
Contra o isolacionismo
O compromisso da economista nigeriana pela luta por mais comércio internacional a fim de quebrar o mais rápido possível a tendência de desaceleração econômica provocada pela pandemia, é algo bem recebido especialmente por um país exportador como a Alemanha. Okonjo-Iweala como nova chefe da OMC reacende a esperança de "reformas urgentemente necessárias", de acordo com Wolfgang Niedermark da Federação Alemã da Indústria (BDI). Ele vê a nova chefe da OMC como um alento "para o comércio internacional baseado em regras".
Na verdade, tudo só pode melhorar se for considerado que, de acordo com a BDI, o número de medidas de restrição ao comércio quintuplicou na última década.
O ministro alemão da Economia, Peter Altmaier, lembrou que Ngozi Okonjo-Iweala traz muita experiência para o novo cargo por meio de seu trabalho no Banco Mundial. "Ela já provou com sucesso que pode liderar organizações internacionais com um grande número de membros com interesses diferentes. Apoiaremos a nova diretora-geral com todas as nossas forças para conduzir a OMC de volta a tempos mais bem-sucedidos", sublinhou Altmaier.
Fim de barreiras
No que diz respeito ao desmantelamento das barreiras comerciais protecionistas, no futuro a UE também será chamada a mexer em suas barreiras agrícolas, que dificultam a vida dos agricultores africanos. E as grandes frotas pesqueiras dos Estados da UE serão responsabilizadas pelo fato de estarem faltando peixes nas costas de muitos países em desenvolvimento. Okonjo-Iweala já anunciou que pretende atuar a favor de um novo regulamento para subsídios à pesca.
Também o imposto sobre o CO2 planejado pela União Europeia, que os estrategistas do bloco em Bruxelas batizaram de Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (Carbon Border Adjustment Mechanism), também oferece muito potencial para conflitos futuros, porque seus críticos o veem como uma violação das regras da OMC.
Por último, mas não menos importante, a doutora Ngozi, que assumirá oficialmente seu posto como chefe da OMC em 1º de março, tem a tarefa de restaurar a credibilidade da OMC. O fato de seu antecessor, o brasileiro Roberto Azevêdo, ter renunciado ao cargo de chefe da OMC no meio do ano passado para trabalhar como um dos principais executivos da empresa de bebidas americana Pepsico não ajudou a melhorar a reputação da Organização Mundial do Comércio.