Prêmio Büchner
24 de outubro de 2010Jirgl muitas vezes causa dor aos leitores, declarou o crítico e jornalista berlinense Helmut Böttiger em seu discurso de homenagem ao autor premiado. Em seus romances, Jirgl usa elementos da cultura trivial e televisiva que escapam, no entanto, a qualquer consenso.
O premiado é o tipo de escritor contra o qual os professores de literatura sempre advertiram, constatou Böttiger. Ele representa algo de incômodo e seus romances costumam ser associados à cor negra. No entanto, ressalvou o crítico, esse negro tem um efeito esclarecedor.
O Georg Büchner, dotado em 40 mil euros, é considerado o prêmio literário mais significativo da Alemanha. Reinhard Jirgl recebeu-o neste sábado (23/10), no Teatro Municipal de Darmstadt.
Panorama do século 20
Os horrores da Primeira e da Segunda Guerra, a inflação, a fuga e o desterro, o trauma da separação e da reunificação dos dois Estados alemães: em seus romances Die Stille (O Silêncio) e Die Unvollendeten (As Incompletas), Jirgl não omite nenhum grande tema do século 20. Rupturas de vida e situações limítrofes fascinam o escritor de 59 anos, cuja própria biografia é repleta de rompimentos e recomeços.
Jirgl escreveu seis longos romances que não puderam ser publicados. Em 1983, quando enviou sua primeira obra, Mutter Vater Roman (Romance de Pai e Mãe), à editora Aufbau, em Berlim Oriental, recebeu uma recusa de publicação, sob alegação de que o livro não tinha uma concepção histórica marxista.
"Quando a pessoa é rotulada dessa forma logo de início, todo o resto vai por água abaixo", afirma Jirgl. Nesse caso, um escritor precisa ser mesmo teimoso para não desistir e para mostrar a que veio.
Escrever nos bastidores
Reinhard Jirgl não se deixou desencorajar, muito pelo contrário. Continuou escrevendo seus romances nos bastidores e para tal até desistiu de sua profissão de engenheiro, passando a ganhar a vida como técnico de iluminação do teatro Volksbühne, em Berlim. No ano da reunificação alemã, ele finalmente conseguiu publicar seu primeiro romance, que na época não chegou a ter uma grande repercussão.
Só em 1993, o autor berlinense se tornou conhecido por um público mais amplo. Foi quando recebeu o Prêmio Alfred Döblin por seu romance Abschied von den Feinden (Despedida dos Inimigos) e foi incorporado definitivamente à lista de autores da editora Carl Hanser, onde publica até hoje. Em 1996, Jirgl abandonou suas atividades como técnico de palco e passou a viver só da literatura.
"Bate-estacas da literatura contemporânea"
O Prêmio Georg Büchner, o mais importante da Alemanha, representa um novo impulso para a carreira de Jirgl, que chegou a ser denominado por um crítico de "bate-estacas da literatura contemporânea".
Afinal, seus livros não são de fácil digestão. Para começar, sua ortografia peculiar já dificulta a leitura. Jirgl costuma colocar sinais de pontuação no início da frase, como o ponto de interrogação, por exemplo. "Isso interrompe o fluxo normal e linear de leitura, mas também faz o leitor refletir", elogia Klaus Reichert, presidente da Academia Alemã de Língua e Literatura, que concede o Prêmio Büchner desde 1951.
Jirgl escreve com grande paixão e sensibilidade narrativa sobre as rupturas e catástrofes do século 20, caracteriza Reichert. "Resolvemos premiar um escritor que tem a ousadia de usar a linguagem para escrever algo que não pode ser digerido tão facilmente", justificou.
Ao receber o prêmio, Jirgl se alinha a uma série de grandes escritores do século 20 que também o mereceram, entre os quais Friedrich Dürrenmatt, Heinrich Böll, Erich Kästner e Elfriede Jelinek.
Autorin: Sabine Damaschke (sl)
Revisão: Soraia Vilela