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Romance

Simone de Mello20 de outubro de 2006

Onze anos após publicação de seu último romance, 'Morbus Kitahara', Christoph Ransmayr lança um novo, em verso: história de amor e 'hybris' entre Ocidente e Oriente. Autor lê trechos de seu romance no Berliner Ensemble.

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Romance anterior de Ransmayr saiu há 11 anos

Em seu novo romance, o austríaco Christoph Ransmayr cruza a paisagem marítima da Irlanda com as alturas nevadas do Tibet numa história sobre dois irmãos que partem de sua fazenda à beira-mar em busca da última montanha possivelmente ainda não mapeada. O contraste entre cultura oral e digital, alta tecnologia e arcaísmo perpassa o conflito tácito, de teor quase bíblico, entre dois irmãos que seguem o mesmo caminho em busca de coisas distintas.

Der fliegende Berg (A Montanha que Voa, Frankfurt do Meno, S. Fischer, 2006) reúne diversos romances em um. Narra em primeira pessoa a emancipação de um protagonista em vias de seguir seu próprio caminho e se libertar da sombra protetora do irmão mais velho. É uma história de amor entre Ocidente e Oriente construída com elementos etnológicos, uma descrição do fracasso dos aparatos tecnológicos diante da sabedoria transmitida por mitos milenares.

Christoph Ransmayer
Christoph RansmayrFoto: dpa

Analogamente ao que fez em romances anteriores, como Os Pavores do Gelo e das Trevas (1984, a ser publicado no Brasil pela Editora Estação Liberdade) ou Der Weg nach Surabaya (O Caminho a Surabaya, 1997), Ransmayr lança mão de um amplo repertório de informações, atribuindo um caráter documental ao seu novo livro. Cartografia e agrimensura, história e mito continuam movendo a ficção de um autor que estudou etnologia e trabalhou em revistas como Geo e Merian.

Pouco espaço para o acaso

Em meio a um material tão extenso, Ransmayr – um escritor que vive na Irlanda, mas passa grande parte do ano viajando – mostra que domina o código do romance, articulando com grande construção e cálculo paralelos e contrastes entre mundos e assuntos tão díspares. O ambiente da resistência irlandesa contra o domínio inglês ecoa na repressão da cultura tibetana pelos chineses.

A escalada de "montanha que voa", possivelmente a mais alta do mundo, não mapeada, apenas vislumbrada em fotos aéreas encontradas na internet, representa a hybris ocidental que só tem fim com a morte do irmão iniciador da expedição.

Os nítidos antagonismos (Oriente / Ocidente, mar / montanha, moderno / arcaico, oralidade / escritura, homem / mulher) acabam conferindo ao romance um caráter esquemático. Em meio a uma narrativa minuciosamente calculada, as incursões poéticas mais livres parecem desprovidas de qualquer motivação e contexto, soando forçadas.

Prosa em verso de efeito

Ransmayr escreveu seu novo romance em verso, sem – no entanto – recorrer a nenhum artifício rítmico que singulariza a poesia. Numa nota inicial ao livro, Ransmayr comenta que é um mal-entendido achar que qualquer texto com linhas de comprimentos diferentes seja um poema. E adota o rompimento do verso e a divisão estrófica como forma de delimitar unidades de significado em seu texto. No entanto, com o passar dos capítulos, a estratégia perde o mínimo efeito que parecia ter de início, revelando uma certa gratuidade.

A crítica alemã reconheceu os méritos literários de um romance que demorou 11 anos para ser escrito. O respeito mostrado por Ransmayr não impediu os críticos, no entanto, de apontar com rigor tudo aquilo que impede o romance de se inscrever na história da literatura.

Mousepad descrito em tom eloqüente

Apesar de apontar, na intenção, para um opus magnus, "um livro raro e precioso que poderia estar ao lado da Bíblia na estante", o romance causa no fundo "um arrepio por forjar uma revelação espiritual do sentido da vida". Para tal, apresentar o alpinismo como alternativa à religião seria um pouco simplista demais. (Süddeutsche Zeitung)

Com todo virtuosismo lingüístico e literário, Ransmayr se move no "estreito limite entre kitsch e arte, entre uma missa do sublime e um esoterismo difuso" (Frankfurter Rundschau). Tratar coisas tão cotidianas, como um mousepad, em eloqüente tom épico (Neue Zürcher Zeitung) e não deixar nenhuma margem para o acaso (Tageszeitung) foram outros defeitos apontados pela crítica.

Christoph Ransmayr: Der fliegende Berg. Frankfurt a.M., S. Fischer, 2006; 359pp.