É incrível como situações decatástrofes extremas como a que está acometendo o Rio Grande do Sul são capazes de mostrar o pior e o melhor do ser humano.
Houve roubos, furtos, violência e situações seríssimas de assédio dentro dos abrigos, mas creio que não faz sentido eu focar a coluna neste recorte.
A razão é que a quantidade de pessoas cujo lado positivo foi aflorado é a maioria esmagadora. Tenho 29 anos e confesso nunca antes ter visto uma situação mobilizar tantas pessoas como o caso das enchentes no RS. Até minha mãe, que nunca foi socialmente engajada, estava recebendo doações de roupas para enviar ao estado.
Tivemos agências de Correios, mesmo as menores, lotadas de doações. Tivemos artistas mobilizando suas redes para arrecadar fundos e doações. Tivemos artistas se engajando em publicidade gratuita para ajudar empresas do Rio Grande do Sul. Tivemos milhões de anônimos doando dinheiro, roupas e alimentos. Tivemos a imprensa cobrindo fortemente. Tivemos empresas doando boas quantias. Tivemos pessoas, anônimas e famosas, se deslocando para o estado e doando seu tempo e energia.
A lista é grande. Poderia, sem muito esforço, gastar todos os caracteres da coluna elencando mobilizações, das mais diversas formas e viabilizadas pelos mais diversos agentes.
Tivemos. Temos. Será que continuaremos tendo? Qual o papel da escola e da formação cidadã para não permitirmos que a mobilização atual seja apenas um caso pontual?
Não quero vir aqui e problematizar as motivações de quem doou, ajudou e se mobilizou. Não duvido que boa parte tenha sido motivada pelo engajamento das redes sociais, mas pelo menos o fez. Uma vez aprendi com um professor sobre tentar não problematizar muito sobre as motivações, mas, sim, focar nas ações. Concordo com ele, e a lógica se estende para o caso do RS. O importante é que as pessoas ajudaram e estão ajudando. Não cabe e não trará bem algum inferir hipóteses sobre as motivações.
E depois que a comoção inicial passar?
No entanto, cabe a preocupação: como será depois que toda a energia e comoção do momento acabarem ou diminuírem? Indo além: seremos capazes de nos mobilizarmos também em outras pautas, agendas e problemáticas? Como a escola pode trabalhar isso?
Meu ponto de partida é: o povo brasileiro mostrou o quanto é poderoso e exitoso quando foca em algo. Mostrou o quanto é capaz de, dentro do possível, esquecer religião, política, diferenças e simplesmente focar na benevolência, na empatia, na solidariedade e na responsabilidade social.
Me chamem de pessimista, mas temo que, depois que a poeira baixar, voltemos para o mesmo modo de agir anterior, em que o egoísmo maquiado de correria impera e não deixa qualquer espaço para que a solidariedade e a empatia aflorem.
Não podemos permitir isso. É uma pena que tenha sido necessária uma catástrofe para mostrar que somos capazes de agir diferente. Entendo que as pessoas, no dia a dia, não sejam necessariamente do mal ou propositalmente egoístas.
Para sobreviver com certa dose de saúde mental, nos moldamos a não nos preocupar mais com os mendigos quando nos pedem algo na rua, a não pensar muito sobre aqueles que passam fome e sofrem violência. E, sejamos honestos, ao receber um pedido de ajuda nós instintivamente buscamos razões para não ajudar. Para não nos sentirmos mal com isso, temos como hipóteses que outros irão ajudar ou simplesmente nos convencemos de que não há nada que possamos fazer.
Não é verdade. E o caso atual mostra isso de forma muito clara. Somos capazes de muito mais do que imaginamos. Não podemos nos permitir nos engajarmos apenas quando algo explode e chega no nível da situação atual no RS ou quando alguma pauta ou caso viraliza nas redes sociais.
E as pautas que não viralizam? E as problemáticas que, embora importantes, ainda não chegaram ao nível da do estado sulista? Quem pensará nelas? Não merecem mobilização?
O papel fundamental da escola
Para isso, na minha visão, o caminho é via educação e através das escolas. A educação não pode se restringir apenas a ensinar conteúdos e decorar fórmulas. Que tipo de formação cidadã está ocorrendo nas escolas? Como estamos preparando nossos jovens para atuarem como cidadãos na sociedade? Indo além: há algum tipo de formação cidadã nos currículos escolares?
Essas provocações não são triviais. Os jovens precisam ser ensinados e provocados sobre a responsabilidade que têm na construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Isso pode ser benéfico tanto para a prevenção de situações como a que está ocorrendo, quanto para a diminuição de desigualdades.
Em relação à primeira: como ocorre o ensino do meio ambiente? Os estudantes gaúchos conheciam as questões de estrutura, arquitetura e hidrografia do estado? Paralelamente a isso, deveria haver uma formação sobre os três Poderes e a função de cada um. Eu confesso: fui aprender isso durante a graduação. É uma pena. Sabem quem devem cobrar? Qual órgão tem qual responsabilidade?
Não é exagero: se houvesse a preocupação acima dentro do currículo das escolas, a catástrofe poderia ter sido evitada. Os gaúchos, munidos de mais informação e educação cidadã, poderiam ter sido agentes ativos na prevenção. Não estou os culpando, mas dizendo que há margem para que as escolas trabalhem esse tipo de conteúdo e informação com seus alunos.
Além disso, a formação cidadã também pode ajudar a fazer com que as pessoas não se engajem apenas com pautas virais, mas que tenham culturalmente a formação de mais empatia e responsabilidade social. É instintivo buscar razões para não ajudar, mas vimos como podemos ser diferentes.Todos dizemos querer um mundo mais justo e menos desigual, mas precisamos entender nossa responsabilidade para que ele um dia seja uma realidade e não apenas um sonho.
Esperar que essa virada de chave ocorra naturalmente é, no mínimo, bem ingênuo. Ela precisa fazer parte de um projeto e através de uma política pública. A educação pode ser um agente importantíssimo nesse processo e deve ser utilizada.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.