Qual é a melhor previdência social: britânica ou alemã?
12 de fevereiro de 2018O mundo já está mais ou menos acostumado às tiradas do presidente americano, Donald Trump, contra tudo e contra todos. Ainda assim, foi uma dupla surpresa, quando, em 5 de fevereiro, ele achou por bem tuitar seu desagrado com o estado do pilar do sistema de saúde do Reino Unido, o National Health Service (NHS).
"Os democratas [dos Estados Unidos] estão pressionando pelo Universal Health Care, enquanto milhares de pessoas saem em passeata no Reino Unido porque o sistema universal delas está falindo e não funciona. Democratas querem subir muito os impostos em troca de assistência médica bem ruim e impessoal. Não, obrigado!"
Em primeiro lugar, possivelmente houve uma certa perplexidade por ele sequer ter ouvido falar do NHS. Em segundo, terá gerado consternação a perspicácia de Trump ao descrever essa situação.
Isso porque, de acordo com diversos observadores, o serviço nacional de saúde britânico está, de fato, "falido" e "sem funcionar". Como provas disso, estão seu crônico subfinanciamento, operações canceladas e pacientes atentidos nos corredores dos hospitais ou em ambulâncias, devido à falta de leitos.
Sistema ternário britânico
Porém não foi sempre assim. Criado em 1948 pelo então ministro da Saúde Nye Bevan, um paladino da justiça social e dos direitos dos trabalhadores, o NHS era igualitário e independente de contribuições, sendo diretamente financiado pelas arrecadações tributárias. No entanto é uma abordagem cara, por cobrir a todos, não só os trabalhadores.
"No Reino Unido, há um sistema ternário, composto pelo indivíduo, o empregador e o Estado", explica Chris Renwick, catedrático de História Moderna da Universidade de York e autor de Bread for all: The origins of the welfare state (Pão para todos: As origens do Estado previdenciário).
"Então há uma noção de que ou se encontra um modo de reformar a base tributária, de modo a pagar pelo sistema dentro da economia que se tem; ou é preciso que explorar um modo separado de pagá-lo através de um modelo de seguridade. Senão, a alternativa é abandonar a ideia de que o NHS seja uma modelo de assistência universal."
Costuma-se a atribuir grande parte do sucesso do NHS no Estado previdenciário do pós-guerra ao comprometimento da classe média com o sistema, diz Renwick. Isso explicaria a continuada relutância em mexer com ele.
"Se você introduz um sistema em que se espera que a classe média contribua para a assistência de saúde, numa espécie de esquema transacional, há um temor de que isso represente uma falência do contrato social, em relação a certas coisas."
Na Alemanha, governo de fora da saúde
A Alemanha, por sua vez, tem um sistema dual de diversos pagadores, obrigatório para todos que vivem no país. De acordo com a renda e o estatuto empregatício, os cidadãos escolhem entre a seguridade pública, provida por caixas de saúde não governamentais, e seguradoras privadas.
As contribuições se baseiam ou numa percentagem da renda (público) ou na idade e risco (privado). O Estado, nos diversos níveis administrativos, não desempenha praticamente nenhum papel no financiamento da assistência de saúde.
Segundo Renwick, "do ponto de vista histórico, o sistema alemão é um importante ponto de comparação. A estrutura bismarckiana do fim do século 19, que estabeleceu o primeiro serviço de saúde universal, foi, de diversos modos, uma espécie de inspiração para determinados aspectos do sistema britânico no fim do século 19 e início do 20."
Seguro-desemprego: procurar trabalho ou não?
Tradicionalmente, a Alemanha sempre manteve um quadro bem mais generoso de benefícios previdenciários. Isso se aplicava especialmente ao seguro-desemprego, segundo o qual o trabalhador tinha direito a uma percentagem bastante alta de seus últimos vencimentos, durante um ano.
"Assim, como docente universitária, por exemplo, eu seria paga 80% do meu salário atual, estaria muito bem e não teria muito incentivo para voltar ao local de trabalho", comenta Patricia Hogwood, professora associada de Política Europeia na Universidade de Westminster, com especialização na política e sistema previdenciário alemães.
Em 2003, o governo de coalizão entre social-democratas e verdes introduziu as reformas da previdência conhecidas como Hartz IV, que endureceram as condições para os desempregados, tornando-se profundamente impopulares. Em contrapartida, os assalariados do Reino Unido têm sempre em mente que, caso percam o emprego, sua renda será cortada inteiramente. Isso funciona como incentivo para que se encontre trabalho o mais rápido possível.
A Alemanha basicamente serviu como modelo para os britânicos até meados do século 20, quando os sistemas passaram a divergir. O Reino Unido "opta por uma versão peculiar do sistema de contribuição para a seguridade nacional", diz Renwick. Este se define pela adoção de taxas fixas, tanto para as contribuições como para os benefícios: "Se você tiver pagado por 20 anos, recebe a mesma quantia do que se contribuiu seis meses."
Hogwood frisa que o modelo anglo-irlandês sempre teve como finalidade prover cobertura de emergência e total. "Ele não foi realmente concebido para substituir a renda em caso de necessidade. Para quem tivesse um emprego bem pago, não daria nem para cobrir as despesas a que está acostumado; para os baixos assalariados, ficaria bem parecido com o que a pessoa estava acostumada. E os pagamentos eram por um prazo breve, pois se partia do princípio que se encontraria emprego relativamente rápido."
Sem legitimidade, colapso da coesão e conflito social
A época atual, de mudanças estruturais e econômicas, está encarecendo muito a manutenção dos sistemas de previdência, e os legisladores se esforçam para encarar o desafio, diz Patricia Hogwood.
"Os governos acham que não têm como manter esses velhos sistemas, mas ainda querem reter o elemento de legitimidade que o sistema previdenciário gerava para eles. Pois, se não se preserva isso, o que se tem é um colapso da coesão social, é o conflito entre os grupos sociais que estamos vendo agora."
Os governos tanto do Reino Unido quanto da Alemanha têm procurado "dar um jeitinhos", com emendas ao Estado previdenciário, a fim de torná-lo mais eficaz e economicamente viável. Contudo o consenso parece ser que é necessária uma reforma radical do sistema, da base até o topo.
"Acho que a mensagem final é que, apesar das diferentes abordagens adotadas tradicionalmente, ambos os sistemas estão indo pelo mesmo caminho, pois os dois adotaram o curso neoliberal de priorizar a flexibilidade da mão de obra e a competitividade da economia, na frente do que o bem-estar."
"Eles querem cortar os benefícios previdenciários, mas ambos enfrentam o desafio de como evitar conflito social e como manter a legitimidade do governo, com as pessoas assim tão zangadas", analisa Hogwood. "Gradualmente forma-se uma classe social que fica de fora por simplesmente não poder pagar os custos suplementares."
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