Quadrinhos são destaque na Feira do Livro de Porto Alegre
2 de novembro de 2013Há tempos os quadrinhos não são apenas para as crianças. Uma nova geração de autores tem diversificado o formato, trazendo diversas influências artísticas, estéticas e literárias a esse universo.
Um reflexo dessa nova geração de quadrinistas brasileiros pode ser vista na Feira do Livro de Porto Alegre, que neste ano tem a Alemanha como país homenageado – o que abriu portas para o intercâmbio entre artistas dos dois países.
A alemã Birgit Weyhe e a gaúcha Paula Mastroberti participam do evento Osmose: Uma experiência de alemães e brasileiros em quadrinhos, que marca o lançamento do projeto. O Osmose teve como coordenador editorial José Aguiar, que também participa da feira lançando Reisetagebuch: uma viagem ilustrada pela Alemanha.
Troca artística
No segundo semestre de 2012, três quadrinistas brasileiros e três alemães realizaram uma residência artística em um país onde nunca haviam estado antes. Para o Brasil, foram Aisha Franz (Salvador), Birgit Weyhe (São Paulo) e Mawil (Porto Alegre). Para a Alemanha, João Montanaro (Munique), Paula Mastroberti (Berlim) e Amaral (Hamburgo).
"Tínhamos que fazer um trabalho autoral em quadrinhos. O tema era totalmente livre desde que a história tratasse desse choque cultural de estar em um país onde não conhecíamos nada", contou Mastroberti à DW Brasil.
Para ela, cada um dos artistas reflete em suas obras o modo como entrou – ou não – em interação com a cidade onde passou um mês.
"Passei 30 dias em Berlim e, para mim, não foi um grande choque. Acho que, além de ser aberta e adaptável, também sou muito fã de literatura e cultura alemã. Com os meus quadrinhos fui mostrando que é impossível não conhecer nada sobre um lugar", disse a artista.
A escritora gaúcha achou os alemães simpáticos e acessíveis e se surpreendeu por não estranhar um idioma que não domina. "Adorava ouvir eles falando. Isso para mim foi inesperado", relata. Ela também se encantou com o enorme número de bicicletas, o transporte coletivo – principalmente os trens – e a limpeza visual da cidade.
O ponto de partida de sua história em quadrinhos foi um conto de fadas dos irmãos Grimm, do qual ela extraiu elementos da narrativa para, depois, reconfigurar "para a Berlim contemporânea".
"É um mosaico de imagens. Gosto de trabalhar com a narrativa gráfica, uso pouco texto e faço sobreposição de frases. Trabalhei em inglês, português e alemão, mas não é preciso ler para entender a história", explicou. "Trabalho muito com colagens e pós-produção, adicionando elementos da cultura pop, desenhos e pinturas."
Em Berlim, ela foi construindo sua narrativa em um caderno de recortes. "Mantive o caderno e trabalhei com os desenhos crus. Fiquei com pena de chegar ao Brasil e finalizar de alguma forma. Em Berlim, me senti livre para trabalhar de uma forma bem artística, sem a preocupação de finalizar. Fiz isso com base no que vi por lá, onde os artistas gráficos valorizam o processo artesanal. Estava muito tempo direcionada à arte digital", concluiu.
Segundo José Aguiar, os artistas do projeto, que resultou no livro Osmose: Brasil e Alemanha em quadrinhos, foram escolhidos para representar diferentes regiões, gerações e traços de ambos os países, além de serem capazes de realizar tanto o desenho quanto o roteiro da história em quadrinhos.
Diário de viagem
Já o livro de Aguiar também foi realizado em um processo de imersão, mas em período mais longo e em duas temporadas na Alemanha. "A barreira da língua fez com que eu olhasse ao redor, para os pequenos detalhes cotidianos que distinguem culturalmente os alemães e os brasileiros", disse o quadrinista à DW Brasil.
A vivência estética, social e antropológica abriu os olhos do artista para pequenas sutilezas, que mudaram sua visão do mundo. "Não mudei apenas a forma que desenho, mas também o tom que escrevo, pois a experiência me fez sentir parte de um mundo maior", explicou.
O paranaense passou seis meses em Leipzig em 2006 e um mês em Berlim em 2008. Fascinado pelo visual das paisagens e das pessoas – em que diz ter sentido "uma energia muito positiva" e simplicidade no modo de viver – ele começou a se inspirar pelo que viu no país.
"Algumas dessas sutilezas eu contei em traço, outras em palavras. Eu me imaginava um pouco agente secreto, um pouco artista numa expedição artístico-científica, como aquelas que vinham ao Brasil até o século 19 registrar fauna, flora e costumes locais", disse.
Assim seu diário de viagem ilustrado começou a tomar forma. De volta ao Brasil, o caderno cheio de desenhos acabou virando exposição em Curitiba. A segunda viagem gerou mais desenhos e uma nova exposição. Esse material acabou se tornando o livro Reisetagebuch - Uma viagem ilustrada pela Alemanha, lançado em abril de 2013.
O livro trata de uma série de coincidências e descobertas que fizeram da viagem algo especial para Aguiar. "É um diário emocional de viagem. Desenhei o que me impactou, escrevi sobre o que me instigou, mas também sobre o que me incomodou. É um olhar apaixonado sobre a Alemanha, mas nunca deslumbrado", afirma o quadrinista, para quem o leitor é um companheiro em sua jornada.
Os eventos Osmose: Uma experiência de Alemães e Brasileiros em Quadrinhos e Reisetagebuch: uma viagem ilustrada pela Alemanha serão realizados no dia 2 de novembro, dentro da programação da Feira do Livro de Porto Alegre.