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Pé na praia: Confusão linguística

Thomas Fischermann25 de maio de 2016

Antes de se mudar para o Rio, em 2013 o jornalista alemão Thomas Fischermann procurou aprender português. Na coluna desta semana, ele conta como as aulas não foram capazes de prepará-lo para o "momento da verdade".

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Jornalista Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Das minhas aulas de português, lembro de uma mulher. Seu nome era Roberta, e ela tinha loucura por café. "Chamo-me Roberta", se apresentava, "sou de Lisboa". E então entrávamos em sua vida, que acontecia em cafés. Roberta pedia um café normal (bica). Um café com leite (garoto). Um grande café com leite (galão). Um café com leite maior ainda (meia de leite). A pronúncia era rápida e brusca, gutural em torno dos Rs e Ls, cortada bruscamente e mastigada nas consoantes que restavam. „S fz fvr“, Bitteschön!

Um dia, eu descobri que Roberta estava me contando apenas meia verdade. Seus cafés só faziam sentido em Lisboa. No Rio de Janeiro ninguém jamais pede um "garoto".

Depois veio o martírio. Exercícios de pronúncia! Comecei com a palavra "engenheiro". Einnnn-geinnnn-neiiiiiiruuuuh, assim deve ser, como se os Is e Ns estivessem ultrapassando um carro de corrida. E a gramática! "O professor pede silêncio", não dá para falar simplesmente assim? Por que precisaram inventar um modo completo, o subjuntivo, com verbos irregulares e regras de conjugação? "A professora Roberta pede que haja silêncio". Assustado, fiquei calado e escutei.

E todas essas aulas de língua estrangeira não foram capazes de me preparar para o momento da verdade, em que entrei num avião e voei para o Rio de Janeiro. Estava bem munido de vocábulos e decidido a usar o subjuntivo. Entendi muito pouco. Começou uma luta pelo espaço para a bagagem de mão. Tive que compreender que, além da palavra falada, os brasileiros utilizam um arsenal de meios de comunicação não verbais: um sistema de símbolos, toques, zumbidos, ranger de dentes e oscilações sutis no tom. Nenhum dicionário explica isso.

No Brasil, eu aprendi que tudo depende do contexto. Um sorriso pode marcar um território: até aqui e não mais adiante. Um trejeito de quadril pode ser uma rejeição gelada. A sobrancelha levantada de uma "patricinha" pode significar um convite para uma conversa. Ao serem apresentados, os homens se abraçam com os dois braços. Deve-se bater nas costas com força, perceber a respiração no pescoço. Traduzido em alemão, todo esse ritual significa "bom dia".

As mulheres são cumprimentadas com beijos na bochecha, mas, tratando-se de garotas mais jovens, é melhor se aproximar com cuidado e manter uma distância respeitosa. As tias mais velhas, por sua vez, têm o direito de manter o homem que cumprimentam esmagado em seu peito por um bom tempo. Depende do contexto.

De qualquer forma, assim é com uma nova língua. Não se aprende apenas a falar, ler e escrever. A gente descobre toda uma cultura. Minha descoberta crucial no Brasil foi o polegar para cima. Significa "tudo bem", mas só em teoria. Na verdade, depende. "Tudo bem" significa, algumas vezes, que tudo está bem. Outras vezes, quer dizer que nada está bem.

Tudo bem: suspeito que também são as últimas palavras mais usadas no Brasil.

Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.