Proibição de venda de animais silvestres impacta criadores
19 de julho de 2020
Era comum encontrar carne de tartarugas, cobras, gatos almiscarados e porcos-espinhos nos mercados de Guangzhou, no sul da China. Porém isso mudou após o surto do novo coronavírus, que levou o governo chinês a suspender a venda e o consumo de animais selvagens. Não está claro se a proibição será temporária ou se, como anuncia Pequim, acabará convertida em lei.
Wang Haozhu e a esposa Pan têm acompanhado de perto os acontecimentos desde sua fazenda, a cerca de uma hora de carro de Guangzhou. Há mais de uma década Wang captura porcos-espinhos na floresta tropical atrás de sua casa, e os cria para vender.
"É claro que gosto de comê-los. Eu não os venderia se não gostasse do sabor", confirma Wang em entrevista à DW. "A carne é macia que nem seda, e fica crocante quando assada. Como pato laqueado, só que melhor."
Wang, cujo apelido Haozhu significa "porco-espinho" em mandarim, explica que os filhotes de porco-espinho são especialmente gostosos na sopa. Cada um custa cerca de 350 yuanes (270 reais), enquanto os adultos valem 1.500 yuanes (1.150 reais). Mas o criador não conseguiu vender um único animal desde o Ano Novo Chinês, em janeiro. Ele espera que as vendas retomem em breve, embora isso pareça cada vez mais distante.
Pressão crescente pela proibição
A pandemia de covid-19 colocou em foco o gosto da China pela carne de animais silvestres. Acredita-se que o novo coronavírus seja originário de um animal – possivelmente um pangolim infectado por um morcego –, antes de ser transmitido a humanos num mercado em Wuhan.
Os mercados de animais silvestres foram fechados em todo o país, e grupos de ambientalistas pressionam por leis mais rigorosas para proteger espécies ameaçadas e prevenir futuras pandemias.
Em junho, o governo chinês conferiu o nível de proteção máximo ao pangolim, um mamífero muito ameaçado e caçado devido a sua carne e escamas, usadas na medicina tradicional chinesa. Organizações ambientais saudaram a medida, e pedem ainda que o governo torne permanente a proibição de comer e vender outros animais silvestres.
Li Shuo, do Greenpeace de Pequim, comenta que a campanha tem forte apoio popular: "Estamos surfando na onda gerada pela covid-19. É muito grande a vontade política e pública de proteger o meio ambiente e evitar um novo surto."
Os grupos de preservação enfatizam que a captura e criação de animais silvestres, sejam porcos-espinhos ou pangolins, podem prejudicar as populações nativas e os ecossistemas. Além disso, quanto mais seres humanos entram em contato com animais portadores de vírus perigosos – por exemplo, através de desmatamento, invasão de habitats ou caça –, maior o risco de transmissão.
Li, do Greenpeace, aponta que existem muitas brechas nas leis chinesas de proteção animal. Por exemplo, nem sempre é claro quais espécies são definidas como vida selvagem e, portanto, cobertas pela interdição do consumo de animais silvestres.
Zhou Jinfeng, diretor da Fundação para a Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Verde da China, sugere que a legislação seja alterada para se concentrar na biodiversidade, não na preservação da vida selvagem: "Ela não deve apenas proteger espécies altamente valorizadas, mas toda vida selvagem e seus habitats."
Ele ressalta que a proibição atual se refere apenas ao consumo de animais silvestres. Assim, ainda se pode capturá-los para usar sua pele ou para fins medicinais, enquanto "todas as espécies ameaçadas de extinção deveriam ser proibidas na medicina tradicional". Mas é difícil aprovar novas leis, quando milhões na China dependem da criação e venda de animais selvagens para sobreviver.
Interdição de aplicação difícil
O setor de criação de animais silvestres está avaliado em 67 bilhões de euros e proporciona renda para quase 15 milhões de chineses. Até recentemente, sua criação também era incentivada por Pequim, como parte da meta maior de erradicar a pobreza, especialmente nas áreas rurais.
O agricultor Wang recebe um subsídio anual do governo chinês no valor de 300 yuanes (cerca de 230 reais) por cada porco-espinho. Para ele, é difícil acreditar que o mesmo governo esteja considerando uma proibição permanente de criação e venda: "Isso é impossível. Eu tenho uma licença e somos agricultores. Se não pudermos criar os animais e vendê-los, então como vamos ganhar a vida?"
Mesmo que seja aprovada uma lei proibindo o comércio de animais selvagens, Wang duvida que ela seja devidamente aplicada em nível local, já que Pequim é muito distante da selva nos arredores de Guangzhou. "Não tenho medo de que o governo me proíba de vender", desafia Wang.
Uma maneira de garantir a aplicação das leis seria aumentar a participação cidadã em nível local, explica Zhou, da Fundação para a Conservação da Biodiversidade: "A população deve ter o direito de processar, iniciar litígios contra as autoridades locais e participar da proteção da vida selvagem."
Apesar das possíveis consequências para sua subsistência, Wang Haozhu e Pan se dizem a favor dos esforços para proteger a vida selvagem ao seu redor. Uma vez por ano, a mulher libera dois porcos-espinhos na natureza, um macho e uma fêmea – um sacrifício que ela diz se encaixar em suas crenças budistas.
Ambos explicam que querem proteger os habitats dos porcos-espinhos, mas não acreditam que capturar e criar animais seja contrário à preservação da biodiversidade. A decisão governamental sobre a proteção de espécies está prevista para o fim de 2020, e até que seja tomada, o casal aguarda para ver se poderá reiniciar seus negócios ou se será forçado a buscar uma nova fonte de subsistência.
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