Tive grandes apoiadores para todos os meus textos anteriores desta coluna: os estudantes. Suas vozes ecoavam em cada uma das palavras que eu digitava, e suas perspectivas eram predominantes. Todos eles, em algum nível, na maioria das suas falas, traziam a figura do professor como o grande protagonista dos seus sucessos – e também de suas dificuldades. Assim, os professores estavam presentes em todos os meus textos, mas nunca de forma representada diretamente por suas falas. E considero isso uma falha.
Neste texto, os protagonistas serão os professores, e para isso tive a oportunidade de falar com 27 deles que atuam na rede pública, um de cada região do país.
A princípio, gostaria de destacar um padrão muito interessante que notei: todos os professores citaram o sistema educacional como o grande desafio para seguir a profissão e fazer um trabalho de qualidade. Isso me faz acreditar que os estudantes também se referem ao sistema em suas queixas, mas por que então citam somente os professores? Porque estes estão na linha de frente e, por isso, muitas vezes personificam todo o sistema na visão dos estudantes. Portanto, uma boa forma de entender os desafios que o aluno da rede pública enfrenta é ouvir os professores.
"Desde quando perguntavam no ensino médio qual profissão eu iria seguir, eu dizia: professor. A cada minuto, dia e segundo que estou em uma sala de aula, estou realizando um sonho." Assim como Elte, professor de Amazonas, todos os outros com que conversei têm algumas claras razões para terem escolhido a profissão e seguirem motivados: o amor por lecionar; a certeza de que a educação é um instrumento poderoso de mudanças sociais; o fato de sentirem que podem ser agentes ativos nesse processo de mudança; e o relacionamento com os alunos e retorno positivo deles.
Falta de reconhecimento
Todos os professores ouvidos começaram animados e por um ideal, mas, infelizmente, durante suas trajetórias profissionais, a maioria encontrou uma quantidade significativa de razões para pensar em desistir. "Penso em desistir com uma frequência maior do que gostaria, sobretudo desde o início da pandemia." A razão que leva Letícia, professora do Mato Grosso, a pensar nisso tem relação com os grandes desafios que docentes encontram: desvalorização salarial, o não reconhecimento da importância da profissão e a falta de recursos estruturais para fazerem um trabalho que seja de qualidade e, principalmente, atrativo para os alunos.
Muitos, inclusive, destacaram que o que mais os influencia negativamente é a falta de reconhecimento. Rafael, professor de Minas Gerais, frisou que, ao contrário do que alguns dizem, não escolheu a profissão por falta de opção, mas sim porque a ama.
Esses são bastidores que, muitas vezes, os estudantes desconhecem, e isso abre margem para a construção de uma relação não tão empática como poderia ser entre eles e os professores. Estes sabem do potencial dessa relação e a valorizam, mas a maioria frisa que ela é, em grande parte das vezes, prejudicada pelo sistema, seja por excesso de burocratização ou falta de recursos.
Todos os professores disseram que conseguem, claramente, notar quando os estudantes têm dificuldade na disciplina que lecionam e que tentam se utilizar de mecanismos de nivelamento e revisão para garantir que todos consigam acompanhar o conteúdo. No entanto, para a maioria, salas com grande quantidade de alunos têm um efeito negativo, dificultando o atendimentos às demandas específicas de cada estudante.
Alguns déficits são frutos dos anos iniciais do ensino fundamental, e todos os professores destacaram que o maior deles é a dificuldade de interpretação, não apenas textual, mas também de mundo. Segundo eles, isso é fruto de uma cultura em que ler tem se tornado, cada vez mais, um hábito incomum. Para eles, as famílias seriam agentes fundamentais e necessários para os ajudarem no trabalho pedagógico com os estudantes, mas, infelizmente, quase nunca encontram esse suporte. Muitos pais não participam ativamente das vidas escolares dos filhos.
Desconexão com a realidade
Nesse cenário, leis e diretrizes poderiam surgir como grandes ferramentas de transformações positivas em nossa rede pública, mas, segundo a maioria dos professores, não é o que geralmente acontece. Eles até reconhecem que possa existir uma boa fé por trás do planejamento delas, mas frisaram que sentem uma desconexão entre seus criadores e a realidade da escola pública.
Muitos dos criadores das leis e diretrizes não têm experiência real em salas de aula, e isso abre margem para uma certa utopia dessas políticas e distância entre elas e a aplicabilidade, afirmam os professores. Outros, até têm certa experiência, mas falham quando desconsideram as regionalizações e criam políticas um tanto quanto "universais" em um uma estrutura tão rica e diversa quanto a nossa rede pública.
Sobre isso, Fábio, professor do Pará, aponta: "Eu não vou comparar um aluno de uma região ribeirinha com um aluno de um centro metropolitano. O currículo é o mesmo, mas as condições, não." Já Liliane, professora de Sociologia do Acre, nota uma certa tendência de desvalorizar disciplinas como a sua. Além disso, segundo Pedro, professor de Brasília, há também uma tendência de mecanicismo no processo pedagógico.
O que desejam os professores
Terminei minha conversa com cada um deles perguntando o que gostariam que soubessem sobre eles, professores da rede pública brasileira. Aqui faço justiça às suas vozes.
Primeiramente, eles gostariam que soubessem que são seres humanos como quaisquer outros. Dessa forma, também têm vida pessoal e desejam ter suas atuações valorizadas e serem respeitados. Querem também que todos saibam que a maioria se dedica – e muito – à profissão, trabalhando intensamente em prol dos alunos. Gostariam que soubessem que não deixaram de trabalhar na pandemia, como muitos dizem ou pensam – pelo contrário, têm trabalhado mais do que nunca, e muitos estão emocionalmente cansados e esgotados. Eles precisam, de uma vez por todas, ser respeitados e valorizados.
"Senti-me à vontade para desabafar. Nós às vezes somos engasgados e sufocados, ninguém pode falar nem gritar para ninguém", diz Elte, professor do Amazonas.
--
Meus sinceros agradecimentos aos 27 profissionais da educação com que falei para escrever este texto. São eles:
Adriana Titon Balotin - Rio Grande do Sul;
Maicon Roberto Poli de Aguiar - Santa Catarina;
Daniela effgen dada - Paraná;
Taís Gonçalves Bernardo - São Paulo;
Ana Maria Villela Corso - Rio de Janeiro;
Michelle Carolino Estevão - Espírito Santo;
Rafael Henrique Dos Anjos - Minas Gerais;
Priscila Aline Rodrigues Silva - Mato Grosso;
Michele Alves Cerzósimo - Mato Grosso do Sul;
Eugênio Gabriel Custódio Solino -, Goiás;
Pedro Ribeiro Sousa - Distrito Federal;
Liliane Bezerra da Silva - Acre;
Deizilene de Souza Barbosa Gomes - Rondônia;
Elte José de Andrade Soares - Amazonas;
Luciene Soares Pereira - Roraima;
Nazaré Silva e Silva - Amapá;
Fabio Colins - Pará;
Selma Ferreira Barbosa Peixoto - Tocantins;
Maria do Socorro Ibiapina Silva - Piaui;
Lucyana Karlla Cavalcante Coni - Bahia;
José Valdir Teixeira - Ceará;
Tamara Monteiro Alves - Maranhão;
Maria Cleide Leite Andrade Calderaro - Sergipe;
Moacir Gama do Nascimento Junior - Alagoas;
Guilherme de Oliveira Barbosa - Pernambuco;
Vanusa Albuquerque da Silva - Rio Grande do Norte;
Carlos Benjamin G. P. R. Orange - Paraíba.
_______________
Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.