Presidente tenta ganhar tempo e aposta que ânimos vão esfriar na Ucrânia
4 de dezembro de 2013O presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovytch, esperou até a noite de segunda-feira (02/12), dois dias após a escalada dos protestos em Kiev, para finalmente se pronunciar. Em entrevista à TV ucraniana, ele pediu que polícia e manifestantes se comportem de acordo com a lei e de forma pacífica.
Na véspera, cerca de meio milhão de pessoas tomaram as ruas de Kiev para protestar contra Yanukovytch e expressar sua revolta contra a brutalidade usada pela polícia no sábado, quando centenas de jovens na Praça da Independência, no centro da capital, foram reprimidos com violência durante um protesto.
Um dos principais motivos dos protestos foi a recusa de Yanukovytch de assinar um acordo de associação e livre-comércio com a União Europeia na semana passada. E o estopim para a repressão policial foi quando manifestantes tentaram invadir a sede da presidência em Kiev.
Estrategista experiente
Alguns analistas interpretaram o silêncio de dois dias do presidente como um sinal de indecisão. "Para mim, parece que ele ainda não decidiu que postura deve adotar", observa Serhij Rachmanin, editor de política do prestigiado jornal Dzerkalo Tyzhnia. "Temos um impasse. Ambos os lados – governo e manifestantes – foram longe demais."
Já Gerhard Simon, especialista em Ucrânia da Universidade de Colônia, na Alemanha, avalia que o comportamento de Yanukovytch é simplesmente estratégico. "Ele sabe como ganhar tempo", afirma. "Esse silêncio não é uma tolice. Qualquer coisa que fizer será usada contra ele."
Yanukovytch, de 63 anos, ocupa a presidência da Ucrânia há quatro anos. Os protestos do último fim de semana foram de longe os maiores desde que ele assumiu o cargo, em 2010.
No domingo, sua base de apoio parecia estar se esfacelando, quando alguns membros proeminentes do Partido das Regiões – a legenda governista – anunciaram sua retirada do grupo parlamentar. Havia também rumores de que o chefe de gabinete do presidente, Serhiy Lyovochkin, havia renunciado, mas até agora não houve confirmação oficial.
Além disso, a popularidade de Yanukovytch em seus redutos eleitorais no leste e no sul do país não deverá ser abalada pelos últimos acontecimentos. Nesta terça-feira, o Parlamento rejeitou uma moção de censura ao primeiro-ministro Mykola Azarov, numa derrota para a oposição os manifestantes.
Apesar do clima tenso no próprio país, Yanukovytch embarcou na noite de terça-feira para a China, onde permanecerá por vários dias. De lá, vai para a Rússia, onde se encontra com o presidente Vladimir Putin.
Chegada do inverno
Rachmanin acredita que, apesar dos protestos, o presidente ainda tem chances significativas de se manter no poder. As próximas eleições serão apenas em 2015 e, segundo o jornalista, a oposição ainda não tem uma estratégia definida para propor uma mudança da política governamental.
Além disso, afirma, os confrontos entre a polícia e os manifestantes deixaram uma parcela da população "no mínimo" pensativa. Segundo ele, nessas circunstâncias, Yanukovytch prefere esperar que a situação se acalme por si só.
Para o jornalista, uma futura escalada da violência por parte da polícia é muito possível, mas uma reação do Ocidente poderia deter Yanukovytch. "Penso que ele quer deixar a porta para a Europa aberta", opina – mesmo que seja apenas para ter algo que possa utilizar no intuito se opor às pressões da Rússia.
Gerhard Simon não acredita que Yanukovytch venha a deixar o cargo. Mas se a oposição conseguir paralisar o país com uma greve geral, lembra, como já anunciou que pretende fazer, então "muita coisa ainda pode acontecer".
Como próximo passo em sua estratégia, o presidente, segundo Simon, deverá sinalizar uma disposição de fazer concessões aos protestos, no intuito de manipular os manifestantes, na esperança que o inverno venha logo e os protestos "se percam na neve".
Segundo os passos de Kuchma
Caso funcione a estratégia de Yanukovytch de esperar o esfriamento dos protestos, ele não será o primeiro presidente ucraniano a utilizar essa manobra. No inverno de 2001, o então presidente Leonid Kuchma era acusado de envolvimento no assassinato de um jornalista de oposição.
Milhares saíram às ruas para protestar e pedir sua renúncia. Assim como nos dias de hoje, houve confrontos violentos entre a polícia e manifestantes. A população ficou em choque, e os protestos acabaram perdendo apoio. Kuchma continuou no cargo até o fim de seu mandato, no início de 2005.