Presidente alemão encerra visita histórica à França
5 de setembro de 2013Muitas das cercas ainda estão de pé. Os portões do jardim, de um cinza desbotado, continuam os mesmos daquele 10 de junho de 1944, um dia que parecia normal como a última quarta-feira (04/09) no vilarejo de Oradour-sur-Glane, no sul da França.
"Por que aqui?", perguntou o presidente alemão, Joachim Gauck. Ele caminhava ao lado do presidente francês, François Hollande, e de sobreviventes de uma das maiores atrocidades da Segunda Guerra Mundial.
Há 69 anos, uma divisão da tropa de elite do Exército nazista invadiu Oradour-sur-Glane e executou 642 de seus moradores. Mais de 400 das vítimas eram mulheres e crianças – muitas delas foram levadas à igreja da vila e queimadas vivas.
"Oradour foi um grito alto, que eu ainda posso escutar hoje", disse Hollande.
A visita de Gauck a Oradour foi o ponto alto de sua viagem à França, encerrada nesta quinta-feira. Nunca um presidente alemão havia ido às ruinas do antigo vilarejo. O evento foi transmitido ao vivo pela televisão francesa por três horas e teve ampla cobertura da imprensa alemã.
Até Gauck não esperava que sua visita a Oradour fosse gerar tanto interesse e fosse tão bem recebida pelos franceses. Para ele, a decisão de visitar o local foi como um gesto de reconciliação – como presidente e ser humano, afirmou, o ato foi muito emocionante.
Nascido em 1940, Gauck trata o período do pós-guerra como difícil. "Você tinha que odiar a si mesmo por ser alemão", diz. Agora, afirma, representa um país ao qual não se envergonha de ter orgulho.
Hollande disse em seu discurso em Oradour que a visita foi um "acontecimento extraordinário" e elogiou a dignidade com que Gauck e a Alemanha enfrentam, hoje, o passado nazista.
O legado de Oradour
Os dois presidentes têm uma ótima relação. Eles conversam abertamente sobre as diferenças políticas em seus países. Por isso, sua amizade pode resistir a diferenças de opiniões, disseram ambos os políticos. O principal teste no momento é a decisão da Alemanha de, na contra-mão da França, não intervir na Síria.
Gauck explicou na França que a Alemanha teve que agir de maneira diferente por razões legais e históricas. Um dia antes da visita a Oradour, Hollande repetiu que a situação não vai se acalmar enquanto o presidente sírio, Bashar al-Assad, estiver no poder.
Em Oradour, perante as ruínas históricas, o presidente francês explicou por que ele considera a reação importante. O "grito de Oradour", segundo Hollande, não é apenas um símbolo, mas uma promessa de que os gritos em outras partes do mundo não serão ignorados quando massacres acontecerem.
"Atos inaceitáveis não podem ser tranquilamente aceitos. Devemos isso às vítimas de Oradour", disse Hollande.
Uma Alemanha diferente
Gauck assinou o livro de visitantes de honra no cemitério de Oradour e escreveu que a Alemanha é hoje um país diferente, que mostra solidariedade. É obvia a importância das palavras de Gauck – especialmente nesse local e para as pessoas em toda a França. Gauck se familiarizou com esse capitulo negro do regime nazista na Alemanha através de sua própria autobiografia, o que dá às suas palavras mais persuasão e emoção.
Hollande também tem uma ligação pessoal com os eventos que assombraram Oradour. Durante muitos anos, ele foi prefeito de Tulle, cidade a 100 km de Oradour. Ele falou sobre a marcha silenciosa que acontece anualmente em Tulle e sobre as "mulheres que colocam flores onde os corpos dos mortos foram pendurados".
A imagem do aperto de mão seguido por um abraço entre os presidentes e um sobrevivente se tornou símbolo do dia em Oradour. Em seguida, os presidentes voltaram a se abraçaram fortemente e durante um longo período.
Os acontecimentos em Oradour deixaram muitas feridas na França. Entre os autores do massacre estavam 14 homens da região da Alsácia que foram recrutados à força. Eles foram condenados após a guerra, porém mais tarde anistiados pelo Parlamento francês. Como resultado, 20 comunidades ao redor de Oradour entraram, por muitos anos, em greve administrativa contra as ordens vindas de Paris. O processo de reconciliação, como lembrou Hollande, levou décadas.
Gauck falou sobre a amargura que ele compartilhava com muitos participantes do evento – amargura sobre o fato de que a maioria dos assassinos alemães não foi levada à Justiça. "Essa é minha amargura, que vou levar comigo de volta para a Alemanha e vou falar sobre isso em meu país", prometeu.
A primeira visita de um político alemão do alto escalão a Oradour foi recebida com louvor por grande parte da imprensa francesa. O conservador jornal Le Figaro escreveu na edição desta quinta-feira (05/09) que Gauck ganhou com sua visita "admiração" e "respeito". O jornal regional L' Alsace ressaltou, no entanto, como em nenhum momento o presidente alemão disse a palavra "desculpas".