Série de fiascos
9 de janeiro de 2010No início deste ano, na página da presidência espanhola da União Europeia na internet, quem saudou os usuários não foi o premiê José Luis Zapatero, mas sim a personagem cômica Mr. Bean. A Espanha espumou de raiva, crítica e zombaria se seguiram: como uma coisa dessas pôde acontecer? Afinal, Madri gasta mais de 12 milhões de euros, entre outros fins, para a manutenção e segurança do website.
"Mesmo um principiante poderia ter detectado a lacuna de segurança utilizada pelos hackers", afirma a especialista espanhola Maria Rosa Diaz. E a pane combina com a imagem geral: antes mesmo de a Espanha assumir oficialmente a presidência semestral da UE, nesta sexta-feira (08/01), a opinião pública europeia já gemia discretamente devido ao desajeitado início dos ibéricos.
Escárnio nacional e internacional
Zapatero propôs medidas punitivas contra os Estados do bloco europeu que não façam o suficiente pelo crescimento de sua economia. Numa coletiva de imprensa em Madri, ele exemplificou com cortes dos subsídios provenientes dos cofres da UE. Entretanto, esbarra em ceticismo essa decisão declarada da Espanha de dar impulso à UE para que esta supere a crise que ainda faz estragos.
Afinal, o país é um dos mais castigados pela recessão, apresentando uma quota recorde de desemprego de 19%, assim como um déficit público estimado em cerca de 10% do PIB nacional. O líder oposicionista espanhol Mariano Rajoy ironiza os planos do primeiro-ministro: "Aos outros chefes de governo, Zapatero deve estar parecendo um professor que, mesmo não sabendo ler, faz questão de abrir uma escola".
O escárnio não se faz ouvir apenas em nível nacional. O Financial Times comenta assim a presidência semestral da UE: "Uma Espanha tropeçante é quem vai liderar a UE". E o periódico britânico pronuncia uma sentença arrasadora: o programa espanhol seria "excepcionalmente medíocre". O governo alemão preferiu não se pronunciar sobre as declarações de Zapatero.
Apostando em Lisboa
Apesar de seus problemas internos, que o país promete enfrentar investindo mais na pesquisa e educação, em nível europeu, a Espanha quer seguir a linha da "Estratégia de Lisboa", definida dez anos atrás. O programa para o futuro leva o nome "Europa 2020", explica Diego López-Garrido, secretário de Estado espanhol para assuntos europeus.
"As metas da Estratégia de Lisboa não foram alcançadas, mas eram certas – os governos nacionais é que não as implementaram. Por isso, precisamos coordenar melhor as políticas econômicas nacionais na Europa. As metas de uma sociedade do conhecimento, da tecnologia da informação, da luta contra a mudança climática, e uma 'economia verde' devem ser parte de uma estratégia comum de crescimento. É um grande desafio, diante do qual a Europa se encontra. Aqui, a Alemanha poderia desempenhar uma função exemplar."
Em sua busca de saídas para a crise econômica, a Espanha não estará sozinha. Ela contará com o apoio de um "conselho dos sábios", um grupo de peritos para o qual foram convocados, entre outros, o ex-presidente da Comissão Europeia Jacques Delors (84), o ex-premiê espanhol Felipe González (67) e o ex-ministro da Economia e Finanças Pedro Solbes (67).
Essa decisão tampouco está a salvo de críticas. O jornal espanhol ABC ridiculariza: "Mais do que de sábios, trata-se de veteranos". Outros observadores argumentam que, além disso, se esse grupo de especialistas realmente pudesse influenciar os acontecimentos, ele deveria ter sido convocado muito antes.
"Eurossimpatia" espanhola
Esta é a quarta vez que a Espanha ocupa a presidência rotativa da União Europeia, desde que entrou para o grêmio, em 1987. Apesar da atual série de fiascos, continua grande o apreço dos espanhóis pela UE. Mais de 90% da população estão satisfeitos de participar do bloco europeu – até porque a modernização do país nas últimas décadas se deve em grande parte a generosos fundos europeus.
Mas nem tudo é dinheiro: o fato de, atualmente, essas verbas se concentrarem no leste do continente, em nada altera a postura dos espanhóis diante da UE. Alfonso Egea, da Fundación Alternativas, explica as raízes dessa "eurossimpatia": "O interesse pela Europa até mesmo aumentou. Afinal, ao contrário de outros países da UE, os espanhóis ratificaram a Constituição da UE em referendo. Essa postura tem razões históricas na ditadura de Franco. A Europa sempre foi considerada aqui um modelo para a reformulação política."
Autor: M. Bölz / H.-G. Kellner / A. Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer