Precisamos de novos inimigos?
17 de agosto de 2005"A gente pode se ver em Kreuzberg." "Como assim, em Kreuzberg?" "Eu achava que seria mais perto da sua casa." "Mas quem falou que moro em Kreuzberg? Ou você acha que eu só podia morar lá mesmo?"
Uma situação perfeitamente cotidiana entre duas estudantes que estão marcando um encontro, uma alemã e uma imigrante. Como o bairro de Kreuzberg, em Berlim, tem uma alta concentração de estrangeiros, a alemã acha natural que sua amiga more lá. Esta conversa prototípica foi objeto de discussão durante o congresso Ocidentalismo Crítico, como ilustração da tendência de tachar pessoas ou se comportar como "cultura dominante". Preconceitos que fazem parte do cotidiano.
Exclusões do Ocidente cristão
"Preconceitos e outras manifestações de racismo se infiltram em diversos âmbitos, despercebidamente. A sociedade majoritária alemã deveria se tornar mais ciente disso", observa Gabriele Dietze, docente de Estudos Culturais da Universidade Humboldt, em Berlim. Dietze ensina a nova abordagem do Ocidentalismo Crítico, através da qual os estudantes aprendem métodos de auto-observação crítica capazes de demonstrar como enxergamos e discriminamos o Outro.
"Chegamos à noção de ocidentalismo pelas mais diversas razões. No fundo, o termo se refere ao Ocidente cristão, mas inserido no contexto dos movimentos que geram uma identidade européia. Qualquer processo de constituição de identidade tem um lado exterior. O que nos chamou a atenção, por exemplo, foi o fato de que o 'exterior oriental', mas sobretudo o 'interior oriental' se tornou cada vez mais importante, principalmente diante do medo de terrorismo, das guerras no Oriente Médio e do temor de uma imigração motivada pela pobreza."
Desde o fim da Guerra Fria, a Europa se encontra num processo de reestruturação da identidade, observam os pesquisadores. Isso inclui a discriminação de comunidades muçulmanas dentro das sociedades da Europa Ocidental. Os estudantes investigam como isso se manifesta concretamente, com base em declarações de políticos, formulações da mídia e propaganda e na cultura cotidiana popular.
Trave nos olhos
Tobias Temme, um dos 40 participantes do congresso, é encarregado de avaliar a imagem dos muçulmanos na imprensa diária: "O que me chama a atenção é o fato de a comunidade muçulmana alemã não ser vista como parte da sociedade. A comunidade islâmica é tomada como exemplo de problemas inerentes à sociedade em geral. Por exemplo, a emancipação da mulher. Eu nem acho que seja uma forma consciente de escamotear, mas simplesmente uma tendência de definir a própria sociedade de uma maneira mais positiva ou de tentar desconsiderar os próprios problemas".
Não importa se sejam democrata-cristãos, liberais de esquerda ou feministas: os argumentos do debate sobre o uso do véu islâmico são os mesmos, segundo confirmam os pesquisadores da Humboldt. Eles advertem que a parcialidade dos debates não é tanto motivada pela proteção dos direitos humanos, segundo se alega, mas sim pela defesa da identidade cultural ocidental.
Pura projeção?
Para a estudante Jana Otto, um tema como igualdade de direitos entre homem e mulher é projetado quase que exclusivamente sobre o patriarcado muçulmano. Outros aspectos se perdem de vista: "Vivem dizendo que o véu muçulmano é um instrumento para ocultar as mulheres, mas em diversos países elas usam o véu em público para se afirmarem e mostrarem que não são passivas, mas optaram conscientemente por usá-lo. E elas têm todo o direito de fazer isso. Há muitas feministas islâmicas".
No Ocidente, o véu parece ter se tornado a metáfora mais forte da impossibilidade de conciliar Oriente e Ocidente, cristianismo e islamismo. Como surge a imagem do Outro? Quando se rejeitam elementos de outras culturas e quando eles são consumidos e integrados? O congresso Ocidentalismo Crítico tocou um amplo espectro de temas. Mesmo assim, de forma bastante unilateral: os preconceitos do Oriente em relação ao Ocidente mal entraram em discussão.