"Precisamos de novas respostas"
1 de agosto de 2005Na Alemanha vivem aproximadamente 3,5 milhões de muçulmanos, a maioria dos quais provenientes da Turquia. O ministro do Interior, Otto Schily, advertiu que "as gerações de imigrantes na Europa estão constituindo células de terrorismo pelo menos ideologicamente próximas à Al Qaeda". Schily disse que cerca de 500 islamistas estão sob permanente observação das autoridades alemãs e acrescentou que o extremismo é visto com receptividade por muitos jovens muçulmanos.
A DW-WORLD conversou com Cem Özdemir sobre o assunto. Özdemir, político turco-alemão do Partido Verde e do Parlamento Europeu, fala da migração e política de integração na Alemanha e na Europa, das relações da UE com a Turquia, da ameaça do fundamentalismo islâmico na Alemanha, das relações entre alemães e muçulmanos e sobre o que pode ser feito para acabar com o clima de suspeita.
DW-WORLD: Após os atentados de julho em Londres, ressurgiu na Alemanha a discussão sobre o potencial de radicalização islâmica entre a segunda e a terceira geração de imigrantes muçulmanos. Relatórios e estudos mostram que certos jovens muçulmanos são suscetíveis a idéias extremistas. Como explicar isso?
Cem Özdemir: As razões são complexas. Em parte, é um problema de integração, particularmente entre a população masculina jovem nas cidades grandes, onde há enormes problemas de educação, desemprego e marginalização. Isso foi o que mostrou o exemplo de Londres. Esses jovens nasceram e cresceram na Alemanha e deveriam pertencer à nossa sociedade, mas – subjetiva ou objetivamente – têm a sensação de que não fazem parte dela de fato.
Além disso, estamos lidando com um fenômeno totalmente novo: extremistas que aparentemente estão tentando contaminar esses jovens com seu veneno fundamentalista. Em Londres, vimos isso acontecendo em escolas paquistanesas e em madrassas (escolas islâmicas). É importante descobrir se algo semelhante está acontecendo aqui no país.
Na Alemanha, o debate tem sido dominado por propostas de intensificar a segurança. O ministro do Interior defende maior vigilância das mesquitas e maior facilidade de deportar fomentadores da discórdia. O que pensa destas medidas?
Não acredito que a intensificação da defesa nas frentes religiosas vá nos ajudar muito. Na verdade, só teremos alguma chance, se agirmos na base dos valores comuns e se os muçulmanos moderados cooperarem entre si e com as autoridades na luta contra o terrorismo.
O que precisamos por parte dos muçulmanos é de um maior grau de prontidão em cooperar com a polícia e com as estruturas de segurança, a fim de impedir que a religião seja instrumento de abuso. Acho importante o fato de diversas organizações islâmicas terem condenado claramente os atentados de Londres, por exemplo. Mas eles têm que ir adiante e ficar atentos para o que se passa nas mesquitas e entre os jovens e não hesitar em contatar a polícia em caso de suspeita.
Leia a seguir o que Özdemir tem a dizer sobre as tensas relações com os muçulmanos na Alemanha. >>>
Como será que valores como "liberdade " e "igualdade" poderiam ser propagados entre os imigrantes muçulmanos?
Deixando claro que esses valores não são primordialmente cristãos, mas sim valores universais, possíveis de serem adotados por qualquer pessoa, independentes da religião. Todo mundo que vive em nosso país é obrigado a jurar obediência à Constituição. É a Constituição que garante liberdade de religião, e a ampla maioria dos muçulmanos sabe muito bem disso.
O que pode ser feito para melhorar as relações com os muçulmanos da Alemanha, sobretudo diante do medo por parte dos alemães?
Compreendo o medo, mas temos que ter cuidado para não generalizar e cometer o erro de fazer exatamente aquilo que os fundamentalistas querem: confronto em vez de solidariedade e harmonia entre as pessoas de diferentes religiões no nosso país. Não deveríamos fazer aos fundamentalistas e terroristas o favor de isolar os muçulmanos e colocá-los sob uma suspeita generalizada.
Temos que assegurar que as estruturas de segurança dêem conta de proteger a população. Isso também é do interesse dos muçulmanos moderados. Ao mesmo tempo, temos que garantir que a coexistência de diferentes religiões funcione e que tenhamos mais êxito com a política de integração. Deveria ser possível dizer que sou um nacionalista alemão de confissão islâmica. Em outras palavras, temos que fazer os muçulmanos se sentirem em casa e parte de um espectro de religiões na Alemanha.
O que precisamos é de respostas novas e uma estratégia mais sensata baseada em medidas preventivas de segurança, de um lado, e integração e diálogo, do outro.
Estamos muito longe da situação ideal?
Sempre haverá quem se recolha em seus mundos paralelos. Mas enquanto isso se reduzir a pequenos grupos, dá para lidar com a questão. O nosso problema não é o fato de bairros como Kreuzberg, em Berlim, serem o lugar de tantos imigrantes. Isso é normal numa cidade ocidental do mundo globalizado.
O problema é que a taxa de desemprego e o número de pessoas que dependem da ajuda social do Estado são bem maiores nas áreas com uma ampla população de imigrantes. E os pais – tanto alemães como estrangeiros bem-sucedidos da classe média – mandam seus filhos para escolas de outros bairros. É por isso que começa a ficar problemático. Temos que tomar cuidado para evitar que essas áreas segregadas se tornem focos de conflito social.
Na Alemanha, há a tendência de se fingir que a integração fracassou. Isso só desencoraja as pessoas que conseguiram se envolver num diálogo intercultural e se integrar. Isso só gera pânico e desesperança, o que vai ao encontro dos interesses fundamentalistas. Há inúmeros exemplos de alemães e não alemães que vivem em harmonia. Há muito potencial de inovação, mudança e novas idéias entre os imigrantes.
O que temos que fazer é atuar onde há problemas: nas escolas, garantindo acesso à educação, combatendo o desemprego, encorajando o desevolvimento de uma consciência alemã comum, independente de origem étnica.