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"Posição do Brasil sobre a Venezuela é lamentável", diz HRW

Marina Estarque, de São Paulo27 de janeiro de 2016

Para ONG, governo brasileiro poderia assumir papel de liderança ao condenar violações de direitos humanos do país vizinho. Relatório critica violência policial e afirma que prisões do Brasil ainda são "um desastre".

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Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e a líder brasileira, Dilma Rousseff, em encontro em Brasília em 2015Foto: picture-alliance/dpa/F. Bizerra Jr

A Human Rights Watch (HRW) criticou, em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (27/01) em São Paulo, a posição do Brasil ao não condenar violações de direitos humanos na Venezuela.

"Temos uma grande frustração e decepção em relação à atitude do governo brasileiro frente à situação na Venezuela. É lamentável. Não há nenhum outro país que poderia ter maior influência nessa questão. É uma oportunidade de o Brasil mostrar liderança", afirmou o diretor da divisão das Américas da HRW, Daniel Wilkinson, durante lançamento do relatório anual de direitos humanos da ONG.

Segundo Wilkinson, o país mudou de postura quando o Ministério das Relações Exteriores manifestou preocupação com as eleições na Venezuela. "Isso foi muito melhor do que o silêncio anterior", disse.

Apesar disso, a HRW defende que o Brasil tenha um papel mais proativo e construtivo sobre o tema. "A situação na Venezuela é muito mais do que as eleições. É a censura, o fechamento de canais de televisão, a repressão brutal contra manifestantes pacíficos, a perseguição totalmente arbitrária de opositores políticos", disse o diretor.

A HRW também acredita que o princípio de não intervenção seja usado, de forma equivocada, pelo governo brasileiro para justificar o seu silêncio. "Sem dúvida o princípio é importante, mas, nesse caso, não tem nada a ver. Quando a presidente Dilma [Rousseff] falou sobre os direitos das mulheres no Irã, ninguém falou em interferência", afirmou Wilkinson.

A HRW também classificou a política externa brasileira de "inconsistente". Por outro lado, a ONG fez elogios à postura do Brasil em relação à acolhida de refugiados e à liderança do país em questões de privacidade.

Violência policial

No relatório anual, que avalia as práticas de direitos humanos em mais de 90 países, o Brasil foi criticado, uma vez mais, pela violência policial, execuções extrajudiciais e tortura.

De acordo com o documento, somente no Rio de Janeiro, a polícia matou, em serviço, 644 pessoas em 2015 – um aumento de 10% em relação a 2014. Em São Paulo, foram 494 mortes nos primeiros nove meses do ano, um aumento de 1% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Os números de 2015 foram registrados na sequência de um ano em que o total de mortos por policiais – em serviço ou não – aumentou drasticamente. As mortes chegaram a mais de 3 mil em 2014, o que representa um aumento de quase 40% em relação a 2013. Ainda não há dados consolidados em relação ao total de mortes em 2015.

"Foi um ano [2015] bastante frustrante em relação a problemas crônicos no país. Houve um fracasso generalizado na segurança pública. É inaceitável que o número de mortes por policiais continue crescendo", disse a diretora da HRW no Brasil, Maria Laura Canineu.

A HRW também lembrou que policiais de vários estados foram acusados de envolvimento em chacinas. De acordo com o relatório,12 policiais e três civis foram detidos por supostamente fazerem parte de um grupo de extermínio que matou ao menos oito pessoas em julho, durante um fim de semana em que 36 pessoas foram assassinadas em Manaus.

Em São Paulo, oito policiais foram presos sob acusação de envolvimento nos assassinatos de 19 pessoas em agosto passado. Em setembro, três policiais foram acusados pela morte de quatro jovens no estado. Investigadores acreditam que o crime tenha sido motivado por vingança, após o suposto roubo da bolsa da esposa de um dos policiais.

"Prisões são desastre"

No relatório, a HRW destacou que as prisões brasileiras continuam sendo "um desastre" do ponto de vista dos direitos humanos e de segurança pública. O Brasil tem mais de 600.000 presos, um número 61% maior do que sua capacidade oficial. Com a superlotação e a falta de funcionários, os detentos ficam expostos à violência e a facções criminosas.

"Entrar numa prisão no Brasil é chocante. Vi uma cela com 37 homens sem nenhuma janela. Quando fui visitar, fazia quatro dias que eles não saíam daquela sala fechada", afirma o pesquisador da HRW César Muñoz.

Muñoz defende a necessidade de separar presos que aguardam julgamento dos já condenados. "As prisões brasileiras estão cheias de pessoas que não deveriam estar lá. E eles colocam suspeitos de furto ao lado de condenados por homicídio", diz.

De acordo com o pesquisador, outra medida urgente é garantir espaços neutros dentro das prisões, que não sejam controlados por grupo algum. "O detento tem que ter a liberdade de não pertencer a nenhuma facção."

A ONG ressalta, no entanto, que houve avanços, como o programa piloto de implementação das audiências de custódia, iniciado em 2015. O programa estabelece que um suspeito deve ser apresentado a uma autoridade judicial até 24 horas após a prisão em flagrante, o que é considerado um direito internacional. O juiz avalia, então, se o detido poderá responder em liberdade.

"Na América, os únicos países que não respeitam esse direito para todos são Brasil e Cuba", afirma Muñoz. Segundo a ONG, a medida ajuda a combater a tortura e a superlotação carcerária. Por isso, o pesquisador recomenda que o Congresso aprove um projeto de lei tornando as audiências de custódias obrigatórias.

Além disso, ele defende que a Casa rejeite as propostas de redução da maioridade penal, bem como o projeto de lei de combate ao terrorismo. Essa medida, por conter definições vagas sobre terrorismo, pode ser usada para criminalizar manifestantes pacíficos, afirma a ONG.