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Por que a União Europeia ainda está comprando gás russo?

Arthur Sullivan
29 de abril de 2024

Desde o início da guerra na Ucrânia, bloco reduziu drasticamente o volume de gás russo que compra – mas no ano passado ele ainda representou 15% das importações.

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Um navio cargueiro com tanques que armazenam GNL
Exportações de gás natural liquefeito (GNL) da Rússia para a Europa aumentaram desde a invasão da UcrâniaFoto: Sergei Krasnoukhov/TASS/imago images

Mais de dois anos após a Rússia ter lançado a invasão em grande escala da Ucrânia, a União Europeia (UE) conseguiu reduzir bastante a quantidade de gás russo que importa, mas o hidrocarboneto ainda abastece algumas residências e empresas europeias e rende lucros para o Kremlin.

Quando a guerra começou, os líderes europeus foram forçados a enfrentar sua dependência de longa data do gás e do petróleo russos. O gás era um problema em particular: em 2021, 34% do gás da UE veio da Rússia.

Os países da Europa Central e do Leste Europeu eram especialmente dependentes. Quando a UE cogitou uma proibição, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, foi rápido em expressar sua oposição. "A Europa deliberadamente isentou o fornecimento de energia da Rússia das sanções. No momento, o suprimento de energia da Europa para aquecimento, mobilidade, eletricidade e indústria não pode ser garantido de nenhuma outra forma", disse.

Vladimir Putin explorou essa dependência. Ao longo de 2022, a Rússia reduziu as exportações de gás para a Europa, deixando os líderes europeus preocupados com uma escassez de energia no inverno. Esses temores nunca se concretizaram, mas fizeram com que a UE nunca sancionasse de fato o gás russo.

"Nunca foi uma sanção", diz Benjamin Hilgenstock, da Escola de Economia de Kiev. "Foi uma decisão voluntária dos países, e uma decisão inteligente, para diversificar o fornecimento e não ser mais chantageado pela Rússia", disse ele à DW.

Como as importações de GNL da Rússia substituíram os gasodutos

De acordo com dados da UE, a parcela de gás importado via gasoduto russo pelos Estados-membros caiu de 40% do total em 2021 para cerca de 8% em 2023. No entanto, quando o gás natural liquefeito (GNL) é incluído – gás natural resfriado até a forma líquida para que possa ser transportado por navio – a participação total do gás russo no total da UE no ano passado foi de 15%.

Uma das principais maneiras de a UE reduzir sua dependência do gás russo foi aumentar as importações de GNL de países como os Estados Unidos e o Catar. No entanto, isso levou, inadvertidamente, a um significativo volume de GNL russo que entrou no bloco com grandes descontos.

De acordo com o provedor de dados Kpler, a Rússia é agora o segundo maior fornecedor de GNL da UE. As importações de GNL da Rússia representaram 16% do fornecimento total de GNL da UE em 2023, um aumento de 40% em comparação com a quantidade que a Rússia vendeu para a UE em 2021.

Os volumes de importação em 2023 foram ligeiramente inferiores aos de 2022, mas os dados do primeiro trimestre de 2024 mostram que as exportações russas de GNL para a Europa aumentaram novamente em 5% em relação ao ano anterior. A França, a Espanha e a Bélgica têm sido importadores particularmente grandes. Esses três países foram responsáveis por 87% do GNL que entrou na UE em 2023.

Países querem interromper "transbordo" de GNL

No entanto, grande parte desse GNL não é necessária para o mercado europeu e está sendo manuseada em portos europeus antes de ser reexportada para países terceiros em todo o mundo, enquanto alguns países e empresas da UE lucram com isso.

"Grande parte do GNL russo que vai para a Europa está apenas sendo 'transbordado'", disse Hilgenstock. "Portanto, isso não tem nada a ver com o suprimento de gás natural da Europa. São apenas empresas europeias que ganham dinheiro facilitando as exportações russas de GNL."

De acordo com um relatório recente do Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo (CREA), pouco menos de um quarto das importações europeias de GNL da Rússia (22%) foram transbordadas para os mercados globais em 2023. Petras Katinas, analista de energia do CREA, disse à DW que a maior parte desse GNL foi vendida para países da Ásia.

Navio cargueiro ancorado em um terminal
A Alemanha aumentou rapidamente sua capacidade de importar GNL, construindo terminais como este em WilhelmshavenFoto: Michael Sohn/REUTERS

Como resultado, vários membros da UE, como a Suécia, a Finlândia e os países bálticos, estão pressionando o bloco a decretar a proibição total do GNL russo, uma medida que exigiria a concordância de todos os Estados-membros.

As discussões da UE estão atualmente concentradas na proibição da reexportação do GNL russo dos portos europeus. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, uma sanção aos principais projetos de GNL da Rússia, como o Arctic LNG 2, o terminal de GNL UST Luga e a fábrica de Murmansk, também está sendo considerada.

"Na verdade, deveríamos basicamente banir o GNL russo", disse Hilgenstock. "Não achamos que ele desempenhe um papel significativo no fornecimento de gás europeu, e ele pode ser substituído com relativa facilidade por GNL de outras fontes." Um estudo de 2023 do think tank Bruegel corrobora essa análise.

No entanto, a Acer, a agência reguladora de energia da UE, alertou recentemente que qualquer redução das importações de GNL russo deve ocorrer "em etapas graduais" para evitar um choque energético.

Alguns países da UE ainda recebem gás russo por gasoduto

O gás canalizado da Rússia também continua chegando à UE. Embora os gasodutos Nord Stream não estejam operacionais e o gasoduto Yamal não traga mais gás russo para a Europa, o gás russo ainda flui para o centro de gás de Baumgarten, na Áustria, por meio de gasodutos que atravessam a Ucrânia. A empresa estatal austríaca de energia OMV tem um contrato com a empresa de gás russa Gazprom até 2040.

Em fevereiro, a Áustria confirmou que 98% de suas importações de gás em dezembro de 2023 eram provenientes da Rússia. O governo diz que quer romper o contrato com a Gazprom o mais cedo possível, mas são necessárias sanções da UE sobre o gás russo para que isso aconteça legalmente.

Assim como a Áustria, a Hungria continuou a importar gás russo por gasoduto em grandes quantidades. A Hungria também fechou recentemente um acordo de gás com a Turquia, mas especialistas dizem que esse gás também vem da Rússia, pelo gasoduto Turkstream.

Hilgenstock diz que alguns países continuaram a comprar gás russo porque estão se beneficiando de contratos baratos e vantajosos. "Portanto, a menos e até que haja um embargo ao gás natural russo, a decisão de comprar cabe realmente a esses países."

Para Estados como a Áustria e a Hungria, o possível fim de suas importações por gasoduto da Rússia pode, em última análise, ser moldado pela Ucrânia. Kiev insiste que não renovará os acordos existentes com a Gazprom para permitir o fluxo de gás através de seu território. Esse acordo expira no final de 2024.

Hora de um embargo?

Embora o gás russo ainda seja importado para a Europa, sua participação geral nas importações de gás caiu drasticamente desde 2021. A UE diz que quer que o bloco esteja completamente livre do gás russo até 2027, uma meta que Hilgenstock diz ser cada vez mais realista.

"Se todo esse caso sórdido nos mostrou algo é que podemos, de fato, diversificar com relativa rapidez nosso fornecimento de gás e outras fontes de energia para longe da Rússia", disse.

Entretanto, ele acredita que as condições políticas "não são particularmente propícias" para um embargo total de gás no momento, especialmente um embargo de gasodutos. Ele aponta a presidência da Hungria na UE na segunda metade de 2024 como uma barreira em potencial. Budapeste tem laços mais estreitos com Moscou do que a maioria dos Estados-membros da UE.

Em relação ao GNL, ele é mais otimista e diz que, além da ação da UE, cabe aos importadores de GNL de grande volume, como a Espanha e a Bélgica, tomarem medidas. "Essa importação pela porta dos fundos de gás russo é um grande problema, especialmente do ponto de vista da mensagem que envia", disse. "E estamos ajudando a Rússia com suas cadeias de suprimento de GNL, o que não deveríamos fazer."