Por que a "pirâmide mais antiga do mundo" gera controvérsia
10 de dezembro de 2023Uma acirrada discussão surgiu entre arqueólogos, envolvendo nada menos que a história da humanidade, depois que um estudo de pesquisadores indonésios rodou as manchetes em todo mundo.
No artigo, publicado em 20 de outubro na revista especializada Archaeological Prospection, o grupo afirma que a pirâmide mais antiga do mundo fica na Indonésia, no sítio pré-histórico de Gunung Padang, em Java Ocidental. A estrutura, segundo os cientistas, teria sido construída há 27 mil anos.
É claro que pesquisadores nem sempre são unânimes, mas o que é incomum é a comunidade científica pedir uma revisão do estudo, como informado pela revista Nature.
Conclusão do estudo indonésio implicaria revisão da história da humanidade
A conclusão do estudo indonésio não se encaixa muito bem na história como a conhecemos hoje. A pirâmide escalonada do rei Djoser do Antigo Egito, de 4,6 mil anos, é considerada a primeira pirâmide colossal. O sítio megalítico mais antigo conhecido, Göbekli Tepe, na Turquia, foi construído há cerca de 11 mil anos; no mesmo país fica Catalhöyük, a cidade mais antiga de que se tem notícia, com 9 mil anos.
Claro, as pessoas já viviam na Terra antes disso. Mas antes da última grande Era do Gelo, elas eram nômades que viviam da caça e da coleta. A transição para sociedades complexas começou apenas no Holoceno, há 11,7 mil anos, quando as pessoas se fixaram em locais, vivendo em assentamentos maiores.
As pesquisas foram conduzidas em Gunung Padang entre 2011 e 2014 por uma equipe liderada por Danny Hilman Natawidjaja, da Agência Nacional de Pesquisa e Inovação (Brin) em Bandung, na Indonésia. Segundo os cientistas, a estrutura consiste em cinco terraços de pedra escalonados como degraus, apoiados por muros e conectados por escadas, tudo isso sobre um vulcão extinto.
O grupo aponta quatro camadas que representariam diferentes fases de construção. A mais interna e antiga seria um núcleo de lava endurecida "cuidadosamente moldado"; sobre ela teriam sido dispostas outras camadas de rocha, como se fossem tijolos.
É possível determinar a idade dessas camadas por meio de análises de radiocarbono. Segundo o estudo, a primeira fase de construção ocorreu entre 27 mil e 16 mil anos atrás. Novas sobreposições teriam sido feitas entre 8 mil e 7,5 mil anos atrás. A última camada – que inclui os terraços em degrau – teria entre 4 mil e 3,1 mil anos de idade. Os pesquisadores especularam que o interior da pirâmide poderia até mesmo abrigar câmaras ocultas.
Criação humana ou obra da natureza?
Para Flint Dibble, arqueólogo da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, não é bem assim.
Falando à Nature, ele diz que o complexo de Gunung Padang surgiu de forma natural, e que não há evidências claras de que as camadas sejam obra de mãos humanas – talvez eles tenham adicionado alguns poucos elementos, como no topo da colina, por exemplo. "Quando um material rola morro abaixo, ele se acomoda por conta própria", explica Dibble.
O geólogo indonésio Natawidjaja discorda: as pedras em forma de pilares são grandes demais para terem simplesmente rolado por conta própria. "A natureza organizada e maciça dessas pedras, algumas pesando até 300 quilos, exclui a probabilidade de transporte por grandes distâncias."
Os arqueólogos também discordam sobre uma pedra em forma de adaga. "A geometria regular e a composição especial deste objeto, assim como seus materiais, que não têm nada a ver com as rochas ao redor, sugerem que sua origem é obra de mãos humanas", sustenta Natawidjaja, que é coautor do estudo.
Para Dibble, isso é improvável: não há "sinais de que a pedra tenha sido moldada pelo homem", e ele diz que, mesmo se alguns dados estiverem corretos, as conclusões sobre o sítio e sua idade não são justificadas. "Estou surpreso que o estudo tenha sido publicado dessa forma", diz.
Nossos antepassados viviam em cavernas
Natawidjaja explica por que a pirâmide se tornou um símbolo da alta civilização: não é fácil construí-las; são necessárias habilidades avançadas em alvenaria.
E é aí que está o problema. Porque é extremamente questionável se as pessoas daquela época já eram capazes de erigir estruturas tão complexas.
Arqueólogo da Brin na Indonésia, Lutfi Yondri também tem suas dúvidas. A partir de suas pesquisas, ele concluiu que as pessoas da região viveram em cavernas entre 12 mil e 6 mil anos atrás – muito tempo depois da suposta construção da pirâmide. Além disso, não foram encontradas evidências de trabalho sofisticado em pedra durante as escavações.
Vestígios de uma antiga civilização avançada?
A audaciosa teoria de uma antiga civilização avançada também foi abordada no documentário da Netflix "Ancient Apocalypse" (2022). Nele, o britânico Graham Hancock defende a ideia de que uma civilização global avançada foi dizimada há 12 mil anos, no final da última Era do Gelo.
Segundo Hancock, há vestígios em todo o mundo que comprovam a existência de uma civilização avançada desse tipo – tese que parece ter ajudado a equipe de arqueólogos da Indonésia, já que eles agradecem explicitamente ao britânico por revisar o estudo deles.
Faltam evidências de assentamento
De acordo com Bill Farley, arqueólogo da Southern Connecticut State University em New Haven, o estudo não fornece evidências da existência de uma alta cultura durante a última Era do Gelo. Embora as amostras de solo tenham sido datadas com precisão, não há vestígios de atividades humanas, como carvão ou fragmentos de ossos, observa Farley à Nature.
Para ele, as pessoas deveriam honrar Gunung Padang pelo que é – "um local surpreendente, importante e legal" – e nada mais.
Estudo será reavaliado
Para esclarecer a polêmica, a revista Archaeological Prospection e sua editora, Wiley, iniciaram uma investigação do artigo. E isso pode levar tempo.
Natawidjaja espera que a controvérsia não tenha provocado hostilidades dentro da arqueologia. "Estamos realmente abertos a todos os pesquisadores do mundo que queiram vir à Indonésia e conduzir um programa de pesquisa sobre Gunung Padang", diz. "Sabemos muito pouco sobre nossa história humana."
Pelo menos nisso, muitos na arqueologia concordariam com ele.