Por que a oposição à guerra na Ucrânia não cresce na Rússia
3 de novembro de 2023Um ano e meio depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, o apoio à guerra, bem como ao presidente Vladimir Putin, manteve-se estável entre a sociedade russa.
A conclusão é do Leveda Center, considerado o único instituto de pesquisa de opinião independente do Kremlin, e que em 2016 foi classificado pelo governo russo como um "agente estrangeiro".
Segundo Lev Gudkov, sociólogo à frente do centro, o número de russos que desaprovam a guerra na Ucrânia tem oscilado entre 18% e 22% – em sua maioria jovens, e ligeiramente mais mulheres que homens.
Durante um painel em Berlim promovido pela Sakharov Society, pela Academia de Ciências e Humanidades Berlim-Brandemburgo e pela Associação Alemã de Estudos do Leste Europeu, Gudkov explicou por que a Rússia não tem visto o movimento antiguerra crescer.
Censura rígida e propaganda estatal
Uma razão, segundo Gudkov, é a "censura extremamente rígida" que impede a maioria das pessoas de acessar fontes independentes de notícias. Ele afirma que boa parte dos russos são influenciados pela propaganda estatal e não recorrem à internet para se informar.
Apesar de o percentual daqueles capazes de contornar o bloqueio e a censura às redes sociais e consumir notícias online ter crescido de 6% para 22% nos primeiros meses da guerra, não houve mais avanços desde então.
E como publicar "qualquer notícia sobre perdas russas é absolutamente proibido", Gudkov diz que nem mesmo o saldo de mortos afetou a opinião pública – em abril de 2022, ele havia dito à DW que esperava que a atitude dos russos em relação à guerra mudasse drasticamente em caso de derrota ou aumento no número de vítimas.
Até outubro deste ano, jornalistas conseguiram identificar os nomes de quase 35 mil combatentes no lado russo que morreram na Ucrânia durante a guerra. Os dados foram publicados pela redação russa da BBC, uma empresa pública britânica de comunicação, que tem rastreado e acompanhado as mortes a partir de fontes abertas junto com o Mediazona, um projeto russo de mídia independente, e uma equipe de voluntários. Por causa da cobertura da guerra, o Mediazona foi enquadrado pelas autoridades russas como "agente estrangeiro" em 2021 e teve o seu site bloqueado no ano seguinte.
Oficialmente, a Rússia só divulgou um balanço de mortos na guerra em duas ocasiões desde a eclosão do conflito – números que Gudkov diz não terem "nada a ver com a realidade". O Ministério da Defesa russo reconheceu as primeiras baixas em setembro de 2022, anunciando que 5.937 russos haviam morrido na guerra até então. A pasta também confirmou as mortes de 89 combatentes na noite de Ano Novo, após o bombardeio ucraniano de uma instalação militar russa em Makiivka, na região de Donetsk.
Alta inflacionária e salários maiores
Gudkov ressalta ainda que nem todas as previsões relacionadas ao impacto negativo da guerra sobre a economia russa se confirmaram. Os preços do petróleo subiram no primeiro ano do conflito, impulsionando os lucros do Kremlin e de alguns segmentos da sociedade russa. Setores econômicos imprescindíveis aos esforços de guerra trabalham atualmente a todo vapor, e os salários no setor dobraram.
A remuneração paga a militares de carreira e contratados também subiu, assim como as indenizações a soldados feridos e às famílias de combatentes mortos, muitos deles habitantes de áreas rurais. Esses pagamentos – valores que gente morando no interior nunca tinha visto antes – não são comparáveis aos que eram efetuados antes do conflito, conforme Gudkov. Isso também ajuda a explicar o porquê de a Rússia não estar vendo protestos contra a guerra.
Contudo, Gudkov também pondera que a Rússia tem sofrido com a inflação devido ao custo cada vez mais elevado da guerra. Segundo o sociólogo, a alta de preços, especialmente alimentos e medicamentos, foi apontada como o maior problema pelos russos em pesquisas de opinião recentes. Para eles, a inflação é uma questão mais urgente que a guerra, mas a maioria não pensa nos gastos militares como um fator de impacto na vida cotidiana – apenas de 10 a 12% dos entrevistados, a maioria servidores e integrantes da classe média, faziam essa associação. E apesar de se preocuparem cada vez mais com os rumos da política russa, eles continuam leais ao Kremlin.