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Por que a oposição à guerra na Ucrânia não cresce na Rússia

Sergei Guscha
3 de novembro de 2023

Um ano e meio depois da invasão, taxas de reprovação do conflito e do presidente russo, Vladimir Putin, não mudaram significativamente. Sociólogo explica alguns motivos.

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Uma faixa onde se lê "não à guerra" pendurada sobre a fiação elétrica em São Petesburgo contra um céu azul e a silhueta de uma estátua.
Faixa onde se lê "não à guerra" em São Petersburgo, na Rússia: o Kremlin reprime manifestações públicas de desaprovação do conflitoFoto: Dmitri Lovetsky/AP/picture alliance

Um ano e meio depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, o apoio à guerra, bem como ao presidente Vladimir Putin, manteve-se estável entre a sociedade russa.

A conclusão é do Leveda Center, considerado o único instituto de pesquisa de opinião independente do Kremlin, e que em 2016 foi classificado pelo governo russo como um "agente estrangeiro".

Segundo Lev Gudkov, sociólogo à frente do centro, o número de russos que desaprovam a guerra na Ucrânia tem oscilado entre 18% e 22% – em sua maioria jovens, e ligeiramente mais mulheres que homens.

Durante um painel em Berlim promovido pela Sakharov Society, pela Academia de Ciências e Humanidades Berlim-Brandemburgo e pela Associação Alemã de Estudos do Leste Europeu, Gudkov explicou por que a Rússia não tem visto o movimento antiguerra crescer.

Censura rígida e propaganda estatal

Uma razão, segundo Gudkov, é a "censura extremamente rígida" que impede a maioria das pessoas de acessar fontes independentes de notícias. Ele afirma que boa parte dos russos são influenciados pela propaganda estatal e não recorrem à internet para se informar.

Apesar de o percentual daqueles capazes de contornar o bloqueio e a censura às redes sociais e consumir notícias online ter crescido de 6% para 22% nos primeiros meses da guerra, não houve mais avanços desde então.

E como publicar "qualquer notícia sobre perdas russas é absolutamente proibido", Gudkov diz que nem mesmo o saldo de mortos afetou a opinião pública – em abril de 2022, ele havia dito à DW que esperava que a atitude dos russos em relação à guerra mudasse drasticamente em caso de derrota ou aumento no número de vítimas.

O sociólogo Lev Gudkov, um homem caucasiano, de olhos claros e cabelos brancos, sorri enquanto olha para a câmera
O sociólogo Lev Gudkov dirige o Levada Center desde 2006Foto: Horst Galuschka/dpa/picture alliance

Até outubro deste ano, jornalistas conseguiram identificar os nomes de quase 35 mil combatentes no lado russo que morreram na Ucrânia durante a guerra. Os dados foram publicados pela redação russa da BBC, uma empresa pública britânica de comunicação, que tem rastreado e acompanhado as mortes a partir de fontes abertas junto com o Mediazona, um projeto russo de mídia independente, e uma equipe de voluntários. Por causa da cobertura da guerra, o Mediazona foi enquadrado pelas autoridades russas como "agente estrangeiro" em 2021 e teve o seu site bloqueado no ano seguinte.

Oficialmente, a Rússia só divulgou um balanço de mortos na guerra em duas ocasiões desde a eclosão do conflito – números que Gudkov diz não terem "nada a ver com a realidade". O Ministério da Defesa russo reconheceu as primeiras baixas em setembro de 2022, anunciando que 5.937 russos haviam morrido na guerra até então. A pasta também confirmou as mortes de 89 combatentes na noite de Ano Novo, após o bombardeio ucraniano de uma instalação militar russa em Makiivka, na região de Donetsk.

Alta inflacionária e salários maiores

Gudkov ressalta ainda que nem todas as previsões relacionadas ao impacto negativo da guerra sobre a economia russa se confirmaram. Os preços do petróleo subiram no primeiro ano do conflito, impulsionando os lucros do Kremlin e de alguns segmentos da sociedade russa. Setores econômicos imprescindíveis aos esforços de guerra trabalham atualmente a todo vapor, e os salários no setor dobraram.

A remuneração paga a militares de carreira e contratados também subiu, assim como as indenizações a soldados feridos e às famílias de combatentes mortos, muitos deles habitantes de áreas rurais. Esses pagamentos – valores que gente morando no interior nunca tinha visto antes – não são comparáveis aos que eram efetuados antes do conflito, conforme Gudkov. Isso também ajuda a explicar o porquê de a Rússia não estar vendo protestos contra a guerra.

Contudo, Gudkov também pondera que a Rússia tem sofrido com a inflação devido ao custo cada vez mais elevado da guerra. Segundo o sociólogo, a alta de preços, especialmente alimentos e medicamentos, foi apontada como o maior problema pelos russos em pesquisas de opinião recentes. Para eles, a inflação é uma questão mais urgente que a guerra, mas a maioria não pensa nos gastos militares como um fator de impacto na vida cotidiana – apenas de 10 a 12% dos entrevistados, a maioria servidores e integrantes da classe média, faziam essa associação. E apesar de se preocuparem cada vez mais com os rumos da política russa, eles continuam leais ao Kremlin.