Política externa alemã: caminhos difíceis
10 de agosto de 2005Em termos de política externa, o atual governo social-democrata-verde começou com um estrondo: o conflito armado no Kosovo, que a Otan insistia em encerrar com ataques aéreos. Pela primeira vez na história do pós-guerra, as Forças Armadas alemãs deveriam pegar em armas além de suas fronteiras.
O ministro alemão do Exterior, Joschka Fischer, relembra: "Fomos chamados ao gabinete do chanceler federal. A coalizão de governo mal acabava de se formar e já tinhamos que tomar as primeiras decisões sobre guerra e paz desde a criação da República Federal da Alemanha. Foram momentos difíceis".
Posição irredutível
Fischer, o primeiro ministro verde das Relações Exteriores do pós-guerra, teria preferido fazer uma política de paz. E seu partido mais ainda. Mas o governo federal e o Parlamento optaram pela participação no ataque aéreo da Otan à Iugoslávia, que começou em março de 1999. Aviões de guerra alemães foram postos em ação justamente por um governo social-democrata-verde, deixando indignados muitos correligionários de Fischer.
O Partido Verde convocou uma convenção extraordinária, a atmosfera ficou ainda mais pesada, mas o ministro se manteve irredutível, considerando um cessar-fogo, naquele momento, um sinal essencialmente errôneo. "Isso vai fortalecer e não enfraquecer Milosevic. Esclareço que não vou agir assim, nem mesmo se vocês quiserem", disse o ministro durante a convenção verde.
Violência como meio de fazer política
As reações foram claras: Fischer foi agredido fisicamente por um membro do partido, que atirou um saco de tinta em seu rosto. Apesar dos ressentimentos, o ministro manteve a postura de reafirmar que o uso da violência deveria continuar sendo o último meio a ser usado na política. Este se tornaria, diga-se de passagem, o lema do governo social-democrata-verde, repetido à exaustão no decorrer dos anos seguintes.
As palavras do premiê Gerhard Schröder após os ataques terroristas a Nova York e Washington, em setembro de 2001, entrariam para a história e seriam citadas infindáveis vezes mais tarde: "Esta é uma declaração de guerra contra todo o mundo civilizado. Quem ajuda ou protege estes terroristas, vai contra todos os valores fundamentais que sustentam a convivência pacífica entre os povos. O povo alemão está, neste momento difícil, ao lado dos Estados Unidos da América".
Isso significou mais uma ação do Exército alemão para além das fronteiras nacionais. Desta vez, contra a milícia talibã e a rede da organização terrorista Al Qaeda no Afeganistão. Como em todos os casos de envio de tropas para fora do país, o Parlamento teve que dar seu aval, embora vários deputados verdes e social-democratas tenham vacilado. Schröder deu um último golpe, ameaçou pedir ao Bundestag um voto de confiança, o que poderia ter significado o fim de seu mandato, e conseguiu, enfim, a maioria necessária para enviar soldados em missão de paz ao Afeganistão, ao lado dos EUA.
Prova de força para as Forças Armadas
O Exército alemão se tornou um instrumento indispensável da política externa do governo social-democrata-verde. A opinião pública, aos poucos, foi se acostumando com a presença de milhares de soldados alemães estacionados na Bósnia, no Kosovo e no Afeganistão. E com o fato de que alguns deles voltaram mortos para casa.
Para o ministro alemão da Defesa, Peter Struck (SPD), porém, a máxima continuou valendo: a segurança alemã é defendida tanto dentro quanto fora de casa. "Recebi um monte de cartas me acusando de querer levar a Alemanha à guerra e isso justamente numa data próxima à comemoração dos 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Essas cartas continham acusaçõe do tipo: isso é falta de bom senso! Todo soldado sabe que pode perder a vida numa missão dessas."
O governo social-democrata-verde, porém, não assinou embaixo de toda a guerra arquitetada internacionalmente, tendo revidado com veemência a invasão do Iraque. "Caros amigos no mundo, isso precisa ficar claro: há fronteiras que este governo quer manter. Não vamos enviar soldados alemães ao Iraque", afirmou o chanceler federal para quem quisesse ouvir.
Divergências com os EUA
A posição deu a Schröder muitos votos nas eleições federais de 2002, mas irritou o governo norte-americano, criando uma atmosfera gélida, durante meses a fio, entre Berlim e Washington. A oposição democrata-cristã acusava Schröder de se desentender com os "melhores aliados" do país. O premiê se mantinha, contudo, inatingível.
"A capacidade de aliança está ligada à autonomia de saber tomar nossas próprias posições frente a questões importantes, fazendo com que isso repercuta no cenário internacional. Continuo defendendo firmemente estas posições", dizia um Schröder convicto.
As relações teuto-americanas, depois de um longo inverno, se aqueceram um pouco mais e as divergências acerca da guerra do Iraque se tornaram coisa do passado. A fórmula encontrada para o acordo foi a seguinte: a Alemanha forma e treina, longe do Iraque, forças de segurança – soldados e policiais–, contribuindo assim para a reconstrução do país. E os EUA encerram, com isso, o assunto.