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Polônia pode estar ameaçada de golpe silencioso

Rosalia Romaniec (av)27 de novembro de 2015

Os indícios são numerosos e vão da ingerência do Executivo no Judiciário à elaboração de uma nova lei de imprensa. Novo governo conservador estará manobrando o país em direção ao Estado antidemocrático?

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Presidente Andrzej Duda (esq.) e premiê Beata Szydło em cerimônia de posseFoto: picture-alliance/dpa/J. Turczyk

Ao ser divulgada, a composição do gabinete da recém-eleita primeira-ministra da Polônia, Beata Szydło, despertou surpresa, sobretudo devido a dois postos. O primeiro é o do ministro da Defesa: Antoni Macierewicz é considerado um político linha dura, voltado para Moscou – da mesma forma que Jarosław Kaczyński, o líder do partido governista Lei e Justiça (PiS).

Durante sua campanha, a premiê prometera que Macierewicz não faria parte de seu governo por temer que ele espantaria grande parte do eleitorado conservador moderado. Apesar disso, foi escolhido.

O ministro da Defesa vem, por exemplo, divulgando teorias da conspiração em torno da morte de diversos políticos poloneses de alto escalão numa queda de avião, em 10 de abril de 2010. Entre as vítimas encontrava-se o então presidente, Lech Kaczyński, irmão do líder partidário Jarosław.

Decisão presidencial ilegítima

O outro posto em questão no gabinete de Szydło é o do coordenador dos serviços de inteligência, ocupado por Mariusz Kamiński. Em março último, o antigo diretor do departamento anticorrupção CBA havia sido condenado em primeira instância a três anos de prisão por abuso do cargo, ficando, consequentemente, também impedido de ocupar qualquer posto público.

Isso não impediu Szydło de escolhê-lo para coordenar o serviço secreto nacional. E, logo em seguida, Kamiński recebeu indulto presidencial. Críticos temem que o procedimento sem precedentes do presidente Andrzej Duda encoraje outros funcionários a apoiarem um partido que lhes garante tanto imunidade como impunidade em ações ilegais.

Polen Jaroslaw Kaczynski und Beata Szydlo
Veterano Jarosław Kaczyński é cabeça ideológica do partido do governo (na foto, ao lado de Szydło)Foto: Getty Images/AFP/J. Skarzynski

Para o especialista Piotr Kładoczny, da Fundação Helsinque de Direitos Humanos, a iniciativa de Duda é ilegítima: "O presidente pode anistiar alguém condenado nos termos da lei, mas não um réu. E tampouco pode fazer com que um tribunal suspenda um processo ulterior."

Judiciário como instrumento político

Neste ínterim, juízes do tribunal de apelação de Varsóvia divulgaram uma resolução em que declaram ser inadmissível o uso da Justiça como instrumento político. Evocando a divisão de poderes, o grêmio argumenta: "O Judiciário e o Executivo não podem concorrer entre si, e o presidente não pode exonerar a Justiça de seus deveres constitucionais."

No entanto, no futuro também serão outros juízes a decidir o que está ou não de acordo com a Constituição polonesa. Poucos dias após a posse do novo Parlamento, o PiS fez passar por ambas as câmaras legislativas uma emenda que também alinhará a Justiça constitucional com a política do governo.

Numa sessão noturna, os deputados e senadores deliberaram que os cinco juízes constitucionais recém-nomeados serão substituídos numa nova eleição. Para passar a emenda, o partido governista garantiu a maioria necessária de dois terços com a ajuda da bancada do partido de direita Kukiz'15.

Para isso não foram consultados quaisquer juristas especializados, e todas as alterações propostas ao projeto original foram rejeitadas. A oposição classificou a manobra como um "deplorável golpe de Estado contra o Tribunal Constitucional" e abandonou o plenário antes da votação.

"É muito inquietante a forma como procedem os novos dirigentes. Depois de terem assegurado a maioria parlamentar e ocupado o posto do presidente, parece que querem subjugar o Tribunal Constitucional. Isso seria fatal: a corte suprema é o respaldo da judicatura", alertou Kładoczny, da Fundação Helsinque.

Nationalversammlung in Polen
Assembleia Geral em Varsóvia: partido governista garantiu maioria para siFoto: picture-alliance/dpa

De garras na mídia

Agora o Lei e Justiça se volta também contra o "quarto poder", a mídia. O novo ministro da Cultura, Piotr Gliński, já ditou o novo tom nesse campo. Pouco antes da estreia em Wroclaw da peça A morte e a donzela, de Elfried Jelinek, ele urgiu – ao vivo na emissora pública TVP – os responsáveis a suspenderem a apresentação por constar que a montagem incluía cenas pornográficas.

"Não vai haver pornô financiado com as verbas públicas para a cultura", declarou. Indagado por uma apresentadora da TVP sobre qual era a base legal para tal ameaça, o ministro fugiu da resposta com nova ameaça: "Este aqui é um programa de propaganda, como a propaganda e manipulação que há anos a emissora de vocês promove. Em breve isso vai acabar, pois a televisão pública não pode funcionar assim."

Desde então, a jornalista em questão está proibida de apresentar o programa. Gliński anunciou que a reforma da lei de imprensa já está na "fase final". O que se sabe é que as emissoras estatais de rádio e TV serão transformadas em "instituições culturais nacionais", assim como a agência de notícias PAP. As atuais diretorias devem ser rapidamente substituídas, podendo ser remanejadas a qualquer momento.

Apenas o início?

Na opinião do jornalista Andrzej Grajewski, do semanário conservador Gość Niedzielny, a reação pública às mudanças na imprensa está sendo exagerada. De fato, há anos a mídia pública da Polônia é fortemente politizada, como demonstram as campanhas eleitorais, admite. A questão é apenas se ocorrerá uma ocupação pluralista dos grêmios os se funcionários próximos do governo serão simplesmente substituídos por outros funcionários ligados ao governo, observa o jornalista.

Políticos do PiS também anunciaram outros planos, como os de esforços para expulsar do mercado jornaleiro regional o forte capital estrangeiro, sobretudo as editoras alemães. "Isso é impossível, a menos que se comprem delas os jornais regionais", comenta o Grajewski.

A maior parte das medidas em curso é parte de um plano longamente gestado, que os conservadores denominam "Programa para a renovação da República". Ele porta a assinatura da cabeça ideológica do PiS, o veterano Jarosław Kaczyński. O novo governo foi empossado há apenas dez dias, e tudo indica que os passos tomados até agora são apenas o início.