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Peça multimídia foca múltiplas versões do indivíduo

Marco Sanchez25 de outubro de 2013

Em cartaz no Rio de Janeiro, "LaborAtorial", dirigido por Cesar Augusto e Simon Will, é um exercício multimídia que mostra um mundo cheio de representações de nós mesmos.

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Foto: Ricco Lima

Um laboratório onde representações de nós mesmos interagem, conversam e se questionam. Essas representações se tornam cada vez mais visíveis, e muitas vezes diversas, num ambiente em que podemos ser pessoas diferentes no mundo real e virtual.

Essa é a premissa do espetáculo LaborAtorial, em cartaz no Rio de Janeiro. O exercício multimídia busca uma renovação do olhar sobre o real e tem direção do brasileiro Cesar Augusto e do inglês radicado em Berlim Simon Will.

No palco, um ator, Marcelo Valle, interpreta a si mesmo e compartilha experiências e visões de mundo, além de constantemente estar conversando com múltiplas versões de si mesmo.

O projeto nasceu da amizade de Will e Augusto, que começou quando o brasileiro levou um espetáculo da Gob Squad, companhia berlinense da qual Will faz parte, para algumas apresentações no Brasil. "Esse foi o começo do meu trabalho no Brasil. Voltei para excursionar com o espetáculo, mas também para outros trabalhos com diferentes artistas brasileiros", contou o diretor.

Essa foi a primeira vez que os dois cooperaram artisticamente. Augusto reuniu uma equipe para desenvolver um projeto como parte da celebração dos 25 anos da Cia. dos Atores, companhia carioca que trabalha com a experimentação no espaço cênico. Além de Will, o grupo contou com Marcelo Valle e o dramaturgo Diogo Liberano.

Deutschland Berliner Festspiele Theatertreffen 2012 Before Your Very Eyes
Will faz parte da God Squad, companhia que trabalha com a interação de novas mídias no espaço cênicoFoto: Manuel Reinartz

Reproduzindo e produzindo

O ponto de partida do espetáculo foi Valle. "Queríamos que fosse um solo, mas que ele estivesse dividido e conversasse com ele mesmo. Foi um trabalho colaborativo desde o começo." Will passou primeiramente um mês no Rio de Janeiro apenas brincando e experimentando possibilidades com o grupo.

A escolha do solo foi uma referência direta ao individualismo que a peça queria enfocar, seus desdobramentos e suas consequências nas pessoas.

"A gente se reproduz constantemente com as possibilidades que nos são dadas. Nesse estado de reprodução, também estamos nos produzindo. O crescimento das chamadas mídias sociais gera diferentes maneiras de como podemos nos apresentar para o mundo. Queria criar um diálogo entre essas reproduções", explicou o diretor.

Questões relacionadas à interação com novas mídias, sua função e consequências em nossa sociedade, assim como um reflexo das possibilidades multimídia no espaço cênico, são parte constante do trabalho de Will, principalmente com a Gob Squad.

Representação, não atuação

O processo de experimentação foi aos poucos construindo o espetáculo. Eles partiram de diversas situações para criar cenas, que chamaram de "experimentos".

"Marcelo contou que tinha sido baleado em um acidente e achou que realmente iria morrer. Pegamos isso como ponto de partida do espetáculo: ele informa o público que há um corpo e depois descobre que é o próprio corpo", disse Will. Essa situação dramática leva o ator a uma espécie de purgatório, onde acontece uma autoanálise, uma autoexploração.

Theaterstück LaborAtorial
Marcelo Valle interpreta e conversa com versões de si mesmo em "LaborAtorial"Foto: Ricco Lima

Para o diretor, um ator conhecido como Marcelo Valle, interpretando a si mesmo, tinha um grande potencial para ser autoindulgente. No entanto, o espetáculo ganhou uma dinâmica poética, perdendo o viés autorreferencial. "Você percebe rapidamente que o espetáculo não é sobre o Marcelo", explicou.

O intuito era que Valle não atuasse, mas representasse a si mesmo, mais como em uma performance do que em uma peça de teatro. "Na atuação, o ator incorpora outra pessoa. Na performance não há a menor intenção da representação de um corpo em espaço e tempo reais", acrescentou Will.

Barreira inspiradora

Com os "experimentos" tomando forma, Augusto pensava na visão dramatúrgica do espetáculo, Diogo Liberano escrevia constantemente textos e Will tomava conta da parte visual, explorando as possibilidades do vídeo e das projeções no palco. "Eu me concentrei na criação da ação com o vídeo e da multiplicação do Marcelo." Parte do material foi pré-gravado, a outra parte é manipulada ao vivo, já que o ator também utiliza câmeras no palco.

Esse foi o maior período de tempo em que Will trabalhou em um ambiente onde não dominava o idioma, mas ele encarou essa restrição como algo positivo para o espetáculo. "Acabei olhando mais para o visual, criando uma visão mais abstrata. Estou acostumado a ver coisas que não estão no meu idioma e não me sentir excluído. Significados não são expressos apenas por palavras."

O processo criativo do grupo foi tão afiado que eles tiveram que cortar vários "experimentos" da versão final, o que acabou tornando o espetáculo a primeira parte de uma trilogia. "Muitas ideias começaram a surgir e percebemos que precisaríamos de outros espetáculos, mas ainda não há nada de concreto."

Regisseur Simon Will
O diretor Simon Will vive e trabalha em BerlimFoto: Neurorobotics Research Laboratory, HU Berlin

O projeto faz parte da temporada da Alemanha no Brasil e Will, apesar de inglês, representa os artistas de todo o mundo que vivem e trabalham em Berlim, criando uma visão contemporânea da cultura alemã.

"Acho que, na Alemanha, assim como na Inglaterra e nos países do norte da Europa, as pessoas são mais abertas em relação à nacionalidade dos artistas. Berlim tem um público muito exigente e quem vive aqui está cercado de artistas e criativos. Em Berlim, há quatro teatros onde eu poderia apresentar o trabalho que faço ‒ quase a mesma quantidade do que em toda Inglaterra ‒ e isso tem um efeito que eu acho muito positivo", concluiu o diretor.

LaborAtorial está em cartaz no Espaço Sesc no Rio de Janeiro até 3 de novembro.