"Pesquisa sobre estupros na 2ª Guerra só está no início"
7 de março de 2015No livro Als die Soldaten kamen (Quando os soldados chegaram), a historiadora alemã Miriam Gebhardt mostra que não só membros do Exército Vermelho soviético estupravam alemãs no final da Segunda Guerra Mundial, mas também soldados americanos, franceses e britânicos.
Em entrevista à Deutsche Welle, a autora conta que a forma de agir dos soviéticos era parecida com a dos militares aliados. Acima de tudo, o tema ainda é pouco pesquisado.
Deutsche Welle: Podemos falar das vítimas alemãs hoje, 70 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial? Ou o estupro das mulheres alemãs ainda é um tema tabu?
Miriam Gebhardt: Gostaria de falar menos sobre uma proibição, do que do fato de as vítimas não receberem nenhuma simpatia, nenhuma compaixão da sociedade. Acho que esse era um tema muito vergonhoso para as próprias vítimas. E, sim, também houve uma fase em que era politicamente impossível se falar de vítimas alemãs.
Em primeiro lugar, porque era importante tratar dos crimes do nacional-socialismo e da Wehrmacht e, por outro lado, devido a uma lealdade política em relação aos respectivos aliados, tanto da RFA, em relação aos aliados ocidentais, como na RDA, em relação à União Soviética.
Até hoje, o seguinte ficou gravado na memória coletiva: em primeira linha, os soldados do Exército Vermelho é que estupravam as mulheres alemãs, os soldados americanos, por sua vez, lhes davam flores e chocolates. O que há de verdade nisso?
Esta é, de fato, a grande imagem distorcida que temos hoje. Ela se baseia no fato de que as mulheres alemãs já tinham sido preparadas pela propaganda de guerra nazista, antes do fim da guerra, para serem estupradas por soldados soviéticos. Uma expectativa que então também se confirmou. Portanto já havia uma linguagem para esses crimes.
O que, no entanto, não se confirmou foi a expectativa de que os soldados aliados ocidentais não fariam uma coisa dessas. Mas também eles estupravam. Encontrei provas nesse sentido, mas só poucos testemunhos das próprias mulheres que relatassem estupros pelos soldados ocidentais.
Então, não é verdade que a maioria dos casos de estupro era cometida na zona de ocupação soviética?
É verdade, sim. Mas também tem algo a ver com o desenrolar da guerra. O que realmente foi surpreendente para mim foi ver que, estruturalmente, os estupros pelos soldados ocidentais obedeciam ao mesmo esquema. Geralmente eram antecedidos por saques: os soldados invadiam as casas e primeiro confiscavam coisas de valor, roubavam bicicletas, tomavam os relógios de civis. E em seguida se atiravam sobre as mulheres, a maioria das vezes em grupos. O procedimento em si e também a violência dos estupros, a meu ver, quase não se distinguiam entre os GIs e os soldados do Exército Vermelho.
Sua estimativa é de que 860 mil alemãs foram estupradas. É muito inferior a algumas estimativas anteriores, que falam em cerca de 2 milhões, só de violentadas pelo Exército Vermelho. Como chegou a esse número?
Havia até agora somente estimativas sobre as vítimas do Exército Vermelho, variando de 1 a 2 milhões. Esses números são baseados numa estimativa de amostragem aleatória dos registros hospitalares de um único hospital em Berlim. Eu tomei um caminho totalmente diferente: descobri quantos assim chamados besatzungskinder (filhos da ocupação) havia, pois temos números bem precisos sobre isso. Sabemos muito bem que 5% deles foram concebidos num ato de violência. Partindo-se do pressuposto um em cada dez estupros leva a uma gravidez e que um décimo delas foi levado até o fim, chegamos à seguinte conclusão: um em cada 100 estupros resultou numa criança.
Um outro preconceito diz que as principais vítimas de violência sexual eram jovens. O que há de verdade nisso?
Eu encontrei casos de meninas muito jovens que antes não eram sexualmente ativas, e para quem essa deve ter sido uma experiência terrível, mas também de mulheres mais velhas e homens e meninos. Há uma história que acho particularmente triste: uma mulher de seus 50 anos foi estuprada por cinco soldados franceses, na área de Freiburg, ficando gravemente ferida. Ela foi levada para o hospital e, mais tarde, transferida para a psiquiatria. Todas as noites ela gritava por ajuda, mas ninguém sabia o que havia com ela. Só anos depois, após uma nova internação, é que ocorreu aos médicos e psiquiatras que pudesse ser uma consequência dos estupros.
Isso quer dizer que até hoje algumas mulheres bastante idosas ainda vivem com os traumas dos estupros na guerra.
Sabemos que, de fato, algumas idosas em asilos revivem esse trauma na hora de serem lavadas pelos cuidadores. Em casos em que são tocadas por cuidadores mais rudes ou que, por exemplo, têm sotaque russo. Até agora, há pouca compreensão para esse tipo de situação nas instituições para idosos.
Havia ordens superiores para se estuprar, seja do lado russo, americano, francês ou britânico?
Não. Houve por muito tempo o boato de que havia uma incitação ao estupro no Exército Vermelho. Mas parece ter sido propaganda de guerra por parte dos alemães. O que pode ter havido foi uma espécie de propaganda de guerra entre os soviéticos, mas também entre os americanos, apresentando a mulher alemã como sexualmente mais permissiva do que as compatriotas.
Os jornais militares do Exército dos EUA gostavam de publicar fotos de mulheres beijando e abraçando os soldados americanos. Com esse troféu sexual criou-se um incentivo para os soldados atravessarem o oceano e se envolverem na guerra. Mas isso não quer dizer que o estupro fosse permitido ou mesmo ordenado.
Estupros eram punidos?
Por parte das autoridades alemãs, não havia como. Um policial alemão não podia, legalmente, prender soldados americanos nem soviéticos. Embora os próprios militares mantivessem um regime disciplinar bem severo diante de seus soldados e alguns tenham até proferido a pena de morte. Tanto no Exército Vermelho como no Exército dos EUA, encontrei exemplos de execuções espontâneas de soldados que foram apanhados estuprando civis alemãs. Onde isso não aconteceu, houve certamente ao menos penas de vários anos de prisão ou de trabalho forçado.
Há pesquisas suficientes sobre o assunto?
Não, acho que realmente ainda estamos no começo. A questão é saber se hoje podemos dar algum tipo de reconhecimento público a essas vítimas. Há reivindicações para que se crie uma espécie de espaço memorial. Eu acharia bom se essa forma de recordação ocorresse de forma descentralizada, por exemplo em regiões rurais da Alta Baviera, onde as pessoas até agora não entenderam que os estupros também tiveram um papel tão grande por lá.
E então, claro, o próximo passo seria pensar sobre as estruturas de poder e violência na relação entre os sexos pois, no fim das contas, é o que está na origem do problema. Afinal, estupros em massa continuam infelizmente ocorrendo em muitas zonas de conflito e de guerra. É só pensarmos na organização terrorista "Estado Islâmico", no Boko Haram da Nigéria, ou na Síria.