"Passei por um processo doloroso para me livrar do ódio"
7 de setembro de 2024Antes um antipetista que ganhou proeminência a partir dos anos 2010 na internet criticando fãs de bandas adolescentes e xingando políticos, o empresário e comunicador Felipe Neto, considera-se hoje alguém que "está mais para a esquerda”.
Aos 36 anos, ele agora olha para trás e destrincha sua metamorfose política ao lançar neste sábado (07/09), na Bienal do Livro de São Paulo, a obra Como Enfrentar o Ódio: A Internet e a Luta Pela Democracia (Companhia das Letras).
"Eu construí uma carreira com esse ódio, os primeiros tijolos dessa carreira foram, sim, construídos com ódio", disse ele, em entrevista à DW. "Passei por um processo lento, distinto e doloroso para me livrar do ódio."
Na conversa que teve com a reportagem da DW Brasil, ele atribui paradoxalmente o que vê como um amadurecimento pessoal ao ex-juiz e hoje político Sergio Moro, que com a Operação Lava Jato chegou a decretar a prisão do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem chama de "crápula”.
"A Lava Jato foi determinante para a minha mudança de posição", diz. Neto diz que entendeu que Lula havia sido "um preso político” e sentiu a necessidade de "rever meus conceitos, reavaliar tudo". "[A Lava Jato] foi, sem dúvida, determinante para que eu tirasse da cabeça que o PT é o mal do mundo e que o Lula e a Dilma eram os demônios na Terra.
Neto é um dos maiores influenciadores digitais do país. Seu canal no Youtube tem quase 47 milhões de seguidores — ele foi o primeiro brasileiro a superar a marca de 1 milhão. Tanto no Instagram quanto no X (antigo Twitter, atualmente bloqueado no Brasil), ele é acompanhado por mais de 17 milhões de pessoas.
No livro, o comunicador também conta como reagiu — e ainda reage — aos inúmeros ataques que recebe, sobretudo de grupos de extrema direita.
Confira os principais trechos da conversa.
DW: Neste momento polarizado, como você lida com o ódio contra você?
Felipe Neto: Ele é constante na minha vida há 14 anos, um ódio anônimo, sem face. O que mudou, principalmente depois das eleições de 2018 [quando Bolsonaro foi eleito] é que ele se tornou cada vez menos anônimo, passou a ter rosto e um propósito.
Já tive várias vertentes de ódio contra mim, desde o supérfluo que vem de um grupo de fãs que eu sacaneei quando tinha 22 anos, como as fãs de Crepúsculo [série de livros e filmes] e do [cantor e ator] Justin Bieber, até um ódio político, politizado, estruturado e esquematizado para obedecer a um comando que vem de cima e ensina as pessoas como verbalizar esse ódio.
Para saber como lidar com o ódio é preciso conseguir determinar qual o tipo de ódio você recebendo. Há o famoso ódio da inveja, há o ódio da política e o de não concordar com determinado comportamento ou prática. Entender a origem do ódio fundamenta como você vai lidar com ele.
É preciso determinar se há algo que você possa usar para construir alguma coisa ou se é puramente destrutivo, tóxico, com o interesse de derrubar. Aí você tem de descartar. Eu sempre lido dessa maneira. Quando recebo algum conteúdo que considero odioso, pode estar vindo de uma pessoa que eu devo considerar um pouco mais, e talvez eu tenha sido o causador desse ódio por algum equívoco meu. Ou não, como tem sido a maior parte dos casos desde 2018. O que eu percebo é que esse ódio vindo sem propósito claro que não o político, é o que traz uma dificuldade tremenda sobre o que fazer.
Por quê?
Porque é um ódio que não tem nenhum interesse que não o de te arruinar, te tirar do debate. Ele quer te extirpar da sociedade. Essa visão política de extrema direita aniquila aquilo que eles consideram nocivo para a sociedade.
Na minha concepção, o ato de enfrentamento ao ódio é um ato coletivo, não é individual. A gente só resiste ao ódio de maneira coletiva. Quando a gente só pensa em si a gente não consegue fazer esse enfrentamento. Quando você percebe que está fazendo isso [coletivamente], você está enfrentando o ódio sistêmico que também se volta contra você.
Olhando sua carreira em retrospectiva, podemos dizer que seus primeiros vídeos eram movidos por ódio. Quando você percebeu que não era assim que as coisas deveriam funcionar na internet?
Isso é muito importante. Eu abordo dois tipos de ódios no livro, não apenas o ódio contra você, mas também como enfrentar o ódio que todos nós sentimos todos os dias.
Eu construí uma carreira com esse ódio, os primeiros tijolos dessa carreira foram, sim, construídos com ódio. Levou tempo, determinação, estudo, reflexão e terapia para que eu conseguisse entender que não é esse ódio que me representava, que eu tinha muito mais a oferecer.
O processo parece rápido, mas não é. Eu comecei a gravar vídeo em 2010 e só me vi livre dessas amarras [do ódio], a ponto de me colocar numa situação de ignorância, de dizer que sou um ignorante, preciso estudar e agora preciso compreender o mundo, a partir de 2017. Eu tive diferentes ódios. É óbvio que se fosse hoje jamais eu falaria as coisas que falei ou criticaria as coisas que eu critiquei, porque elas não me incomodam mais em nada.
Passei por um processo lento, distinto e doloroso para me livrar do ódio. O ódio político tinha sido alicerçado em minha vida por conta da minha formação. Eu acreditava que a esquerda era o mal do mundo, eu fui criado desta forma, pela forte presença de um tio que me ensinou desde o berço que a esquerda era o câncer, o satanismo, tudo o que a gente sabe que a extrema direita diz. Essa demonização da esquerda sempre esteve presente.
Eu passei pela dor de ter de admitir que o que eu aprendi estava errado e de que tenho de reaprender muitas coisas que tinha certeza de que sabia. Foi um processo que se iniciou por volta da Lava-Jato. Ela foi, sem dúvida, determinante para que eu tirasse da cabeça que o PT é o mal do mundo e que o Lula e a Dilma eram os demônios na Terra.
Ao mesmo tempo em que eu condeno o [ex-juiz e hoje senador] Sérgio Moro e o [ex-procurador] Deltan Dallagnol, tenho muito a agradecer a eles. Foi dos crimes que eles cometeram que nasceram minhas dúvidas e eu comecei a estudar mais.
Você passou a acreditar que a LavaJato era uma operação direcionada contra o PT?
Quando começou [a operação] eu entrei na vibe de que o Moro iria salvar a gente, que era único juiz com coragem. Aí comecei a ver um movimento por parte de algumas pessoas que eu admirava, […] dizendo que o que estava acontecendo era criminoso, absurdo. Aquilo começa a colocar pulga na minha orelha.
Quanto mais eu via a Lava Jato agindo como agia, daquela maneira persecutória, verborrágica também, uma coisa muito populista, eu comecei a ficar cada vez mais incomodado. Quando teve a sentença [que levou Lula à prisão] eu ainda me segurava, eu ainda xingava o Lula, dizia que estava bem preso, é isso mesmo. Mas o incômodo já estava lá.
Quando aconteceu a Vaza Jato [vazamento de mensagens trocadas entre Moro, Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa], aí foi uma ruína muito grande. Vi que colocaram em prática um plano político para a retirada de um candidato. Aquilo ali nada tinha de real perseguição à corrupção.
A Lava Jato foi determinante para a minha mudança de posição. A partir da Vaza Jato eu comecei a afirmar que o Lula era um preso político e a ver que eu precisava rever meus conceitos, reavaliar tudo.
Diria que se tornou alguém de esquerda?
Inicialmente, eu fui jogado na esquerda ainda sem ser de esquerda. Fui jogado na esquerda assim que me posicionei contra o Bolsonaro, contra aquele crápula, aquela escória que ele representava. E isso estamos falando de 2017, embora eu ainda tivesse minhas convicções ali anti-Lula e contra o PT.
Eu fui jogado para a esquerda que eu não era. De fato, eu não era, etava longe de ser. Me jogaram e eu acabei indo para lá por consequência dos estudos, das leituras e da aproximação de determinadas pessoas muito intelectuais e que me ensinaram muito. Em 2018 teve eleição, em 2019 começou o governo Bolsonaro e eu iniciei uma duríssima oposição a ele dentro do ambiente digital que era controlado pela extrema-direita.
Comecei a estudar, a ler, a ter contato com a história da América Latina. Comecei uma aproximação forte com a história. E fui tendo uma compreensão melhor do mundo, que a esquerda não é uma defensora de uma revolução comunista por si, que ser de esquerda não te faz autoritário, não te aproxima necessariamente de outros regimes de esquerda dos quais você pode discordar como o do [ditador venezuelano Nicolás] Maduro ou qualquer outra. Hoje, eu sou uma pessoa que está mais para a esquerda do que para o centro, para a direita.
Nesse processo de politização, você já recebeu convite ou pensou em se candidatar? Teremos um Felipe Neto candidato um dia?
Não, não. Bom, por hábito na minha vida, eu parei de dizer nunca porque a gente vai vivendo dizendo nunca e aí se passam 10 anos e você faz alguma coisa, muda a percepção e alguém tem o resgate para jogar na sua cara. Eu não vou dizer nunca somente por isso, mas eu não tenho nenhum interesse em fazer parte da vida política como agente eleito.
Todos nós fazemos parte da política e eu acredito que tenho uma contribuição grande dentro do âmbito da influência, dos comentários, da vida. Acredito, inclusive, que posso fazer muito mais sendo essa pessoa de fora, com mais liberdade inclusive para falar e produzir conteúdo, do que estando lá dentro.
E, de fato, sendo bem sincero, uma das coisas que eu mais detesto na minha vida é fazer reunião. Eu falo com muitos políticos e a vida deles se resume a uma gigantesca reunião, eles estão em reuninao o tempo todo, todos os dias. Para ser um bom político você tem de ter uma verdadeira paixão por reunião. E eu tenho um verdadeiro ódio por reunião, então jamais seria um bom político.