Parlamento líbio toma posse com missão de superar legado de Kadafi
8 de agosto de 2012Num resultado surpreendente, a Aliança das Forças Nacionais, um partido muçulmano moderado liderado pelo ex-primeiro-ministro líbio Mahmud Jibril, venceu as primeiras eleições livres na Líbia em quatro décadas, obtendo 39 dos 80 assentos reservados no Parlamento para partidos políticos.
Os islamistas, que muitos previam como vitoriosos, tiveram que se contentar com apenas 17 assentos. Assim, os eleitores líbios não só surpreenderam a maioria dos observadores internacionais como também quebraram a tendência verificada no mundo árabe. Na Tunísia, no Egito e, em menor escala, no Marrocos, os islamistas haviam saído vitoriosos.
Mas isso não quer dizer que os islamistas da Líbia vão desaparecer na obscuridade. Somente nesta quarta-feira (08/07), quando o Conselho Nacional de Transição transferir o poder para o novo Parlamento, é que o perfil da casa começará a se definir. Pois 120 de um total de 200 assentos foram reservados para candidatos independentes. E não é possível prever quantos deles se alinharão a um ou a outro bloco.
A Irmandade Muçulmana afirma que a maioria dos independentes está do seu lado. "É teoricamente possível que os islamistas consigam atrair tantos políticos independentes para seu lado que passem a desempenhar um papel importante, senão o principal, na Assembleia Nacional", afirma o escritor e especialista em Líbia Kurt Pelda, em entrevista à Deutsche Welle. Entretanto, pode ser que a aliança de Jibril, na qual estão representados muitos grupos regionais, também tenha boas cartas.
Diferenças regionais
Para muitos líbios, a ligação com sua cidade ou sua tribo é mais importante que a filiação partidária. Antes de o ex-ditador Muammar Kadafi chegar ao poder por meio de um golpe de Estado, em 1969, as três regiões da Líbia – Cirenaica, Fezzan e Trípoli – tinham identidades distintas. Sob o primeiro governante da Líbia, o rei Idris, o país era uma federação. Antes disso, as três regiões eram uma colônia italiana e nunca tinham formado uma unidade.
Sob o governo Kadafi, sobretudo sua região natal – Sirte – e a capital – Trípoli – se beneficiaram dos lucros provenientes da produção de petróleo. Ao passo que a Cirenaica, com a metrópole Bengasi, foi bastante negligenciada. Não foi por acaso que justamente nessa região tenha estourado a revolução, em fevereiro de 2011, e que até a queda de Trípoli, Bengasi tenha servido como capital do governo revolucionário.
De lá para cá, cresce novamente na Cirenaica o temor de que a província seja mais uma vez esquecida em favor da capital. Muitos exigem mais autonomia para a região. Mas só uma minoria cogita a criação de um sistema federal ou mesmo a independência. O novo Parlamento e o governo em Trípoli terão que cuidar para que a população da Cirenaica não se sinta negligenciada, assim como a região de Fezzan.
Muitas regiões e grupos na Líbia têm suas próprias milícias. Isso torna difícil para o governo central impor seu reivindicado monopólio da violência ─ até porque o Exército líbio se esfacelou com o início da Guerra Civil e especialmente após a derrubada de Kadafi. Um dos maiores desafios enfrentados pelo novo governo é, agora, assimilar as milícias dos vários grupos de interesse e integrar as dezenas de milhares de combatentes irregulares. "Desarmar os grupos armados no país é importante para a segurança líbia", avalia o jornalista Said Lasvad, editor do Tripoli Post, em entrevista à Deutsche Welle.
Legado de Kadafi
Economicamente, o país também enfrenta muitos problemas, embora há meses seja produzido quase tanto petróleo quanto antes da revolução. "O sucesso depende de investimentos e da manutenção dos sistemas de produção petrolífera", diz Pelda. "É preciso fazer algo agora, senão a indústria de petróleo da Líbia pode logo mergulhar numa crise."
Além da reparação dos danos causado pela guerra, o país deve se dedicar a construir uma nova estrutura econômica. Ao longo do seu governo, Kadafi negligenciou fortemente a infraestrutura do país e nunca teve uma política econômica de longo prazo. "Os 42 anos sob o regime Kadafi destruíram o país em todos os níveis", afirma Lasvad.
Entre as primeiras tarefas do Parlamento estão definir um novo primeiro-ministro, decidir sobre a questão da descentralização ou federalização do país e alavancar o desenvolvimento econômico. Mas deve ser esclarecido também o papel que desempenharão o Islã e a Sharia, assim como deve ser decidido o destino dos seguidores do ex-ditador. Além disso, novas leis devem ser aprovadas e devem ser preparadas novas eleições para o período após a elaboração de uma Constituição, em 2013.
A eleição de julho de 2012 foi o primeiro pleito democrático na Líbia depois de mais de quatro décadas de regime autoritário. As últimas eleições nacionais datavam do tempo do rei Idris. Não será uma missão fácil para Parlamento e governo alcançarem as grandes expectativas dos líbios, que, após ganharem liberdade, reivindicam mais segurança, empregos e prosperidade. Mas os líbios e os seus políticos já surpreenderam os céticos positivamente em diversas ocasiões no último ano e meio.
Autora: Anne Allmeling (md)
Revisão: Alexandre Schossler