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ReligiãoGlobal

Papa critica neoliberalismo e populismo em nova encíclica

4 de outubro de 2020

Em documento, Francisco pede mais solidariedade na abordagem de questões globais e denuncia "teorias mágicas" do capitalismo que se apresentam como solução para problemas do mundo.

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Papa Francisco
Essa foi a primeira encíclica divulgada em cinco anosFoto: Catholic Press Photo/dpa/picture-alliance

O papa Francisco criticou neste domingo (04/10) o neoliberalismo e o populismo na sua nova encíclica chamada "Fratelli Tutti" (Todos Irmãos), na qual apresentou uma visão para o mundo pós-coronavírus. O documento pede mais solidariedade para o enfrentamento de problemas globais, como as mudanças climáticas ou a injustiça causada pela desigualdade econômica.

No documento, o papa denunciou as "teorias mágicas" do capitalismo de mercado que se apresentam como "única solução para os problemas do mundo" e afirmou a necessidade de superar o "dogma de fé neoliberal", lembrando que "o mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal". 

"Trata-se de um pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja", escreveu, no texto divulgado pelo Vaticano, acrescentando que a "fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado".

O papa condenou ainda a "especulação financeira", marcada por uma "ganância do lucro fácil", e defendeu a necessidade de uma reforma da ONU e da "arquitetura econômica e financeira internacional". "O direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não pode estar acima dos direitos dos povos e da dignidade dos pobres e nem acima do respeito pelo ambiente", pontuou.

Francisco espera que a atual pandemia tenha um desfecho diferente da crise financeira dos anos 2007 e 2008, na qual teria sido perdida a oportunidade de promover uma "nova regulamentação da atividade financeira especulativa e da riqueza virtual". O papa também afirmou que a "ilusão global" de desenvolvimento esconde benefícios para o mercado de capitais, que aumentaram as desigualdades e injustiças sociais.

Apelando a uma defesa global e urgente dos "direitos humanos mais essenciais", o papa dá como exemplos a necessidade de erradicar a fome ou combater o tráfico de pessoas e "outras formas atuais de escravatura", que apresenta como "vergonha para a humanidade". Para Francisco, o mundo "massificado" não resolve as questões da solidão, mas "privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência".

No documento, o papa propõe ainda a criação de um fundo mundial contra a fome, financiado com as atuais despesas militares. 

Retrocesso histórico

Francisco criticou também o ressurgimento de populismos, racismo e discursos de ódio, lamentando a perda de "sentido social" e o retrocesso histórico que o mundo está vivendo. "A história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos".

Na primeira encíclica divulgada em cinco anos, o papa identifica também o surgimento de "novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais".  O documento associa os discursos de ódio a regimes políticos populistas e a "abordagens econômico-liberais", que defendem a necessidade de "evitar a todo o custo a chegada de migrantes".

Segundo Francisco, o racismo é um "vírus que muda facilmente" e "está sempre à espreita" em "formas de nacionalismo fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos".

O papa pediu que os países abandonem o "desejo de domínio sobre os outros" e que adotem uma política "o serviço do verdadeiro bem comum". Francisco considera essencial pensar a participação social, política e econômica, incluindo movimentos populares e lamentou sobretudo a "intolerância e o desprezo perante as culturas indígenas".

Em referência às redes sociais, ele se mostrou preocupado com as manifestações de ódio e de destruição e com o visível aumento de "formas insólitas de agressividade, com insultos, impropérios, difamação, afrontas verbais" e até a destruição da imagem do outro. O texto realça que a conexão digital pode "isolar do mundo", alimenta a divulgação e discussões em torno de fake news e aniquila a "capacidade de respeitar o ponto de vista do outro".

Tragédia global

Sobre a covid-19, que chamou de "tragédia global", o papa fez um alerta sobre a situação dos mais velhos, que estariam "sendo cruelmente descartados" em algumas partes do mundo. Francisco disse que a pandemia trouxe a consciência de que toda a humanidade "viaja no mesmo barco", deixou cair as "múltiplas máscaras", e revelou uma incapacidade de atuação conjunta.

"A covid-19 deixou descobertas as nossas falsas seguranças. Por cima das várias respostas que deram os diferentes países, ficou evidente a incapacidade de agir em conjunto", afirmou. Francisco espera também que a resposta à crise não conduza a um aumento do "consumismo febril" e de "novas formas de autoproteção egoísta".

A nova encíclica papal se dedica à fraternidade e amizade social. "Fratelli tutti" é a terceira encíclica do pontificado de Francisco, após "Lumen Fidei" (A luz da fé), de 2013, e "Laudato si", de 2015, sobre a ecologia integral.   

O antecessor de Francisco, Bento 16, publicou três encíclicas no seu pontificado (2005-2013); e João Paulo 2º assinou 14 encíclicas entre 1979 e 2003.

A encíclica papal é uma das formas mais importantes de comunicados do papa e serve como base para o ensino católico ao se posicionar sobre questões importantes.

CN/dw/lusa