Pandemia ameaça milhões de desalojados no mundo
28 de abril de 2020Condições meteorológicas extremas forçaram o deslocamento de 24 milhões de indivíduos dentro de seus próprios países em 2019, enquanto conflitos e outros desastres expulsaram outros 9,5 milhões, revela um relatório publicado nesta terça-feira (28/04) pelo Centro de Monitoração de Deslocamento Interno (IDMC, na sigla em inglês).
Inundações e tempestades – sobretudo ciclones, tufões e furações – desalojaram 10 milhões e 13 milhões, respectivamente, enquanto incêndios florestais, secas, desabamentos e extremos de temperatura geraram outros 900 mil desabrigados. Cerca de 1 milhão fugiram de vulcões e terremotos.
Essas cifras são uma advertência de que o desalojamento desestabiliza milhões de vidas a cada ano, e que "se faz muito pouco para achar soluções", observam os autores do estudo. Alguns dos que se refugiam ou são evacuados retornam mais tarde a seus lares, mas o total dos desalojados cresceu ao longo dos anos, atingindo o recorde de cerca de 51 milhões, grande parte em acampamentos lotados, com más condições sanitárias.
Agora, eles têm que lidar com uma pandemia. Grande número dos deslocados internos vive em condições em que o alastramento do novo coronavírus será muito fácil, aponta a diretora do IDMC, Alexandra Bilak. E "como dizer às pessoas para ficarem em casa, se os lares delas foram destruídos por desastres?".
Crises globais – como a mudança climática, migração forçada e o coronavírus – se reforçam mutuamente de maneiras inesperadas. Elas criam "tempestades perfeitas, atingindo as vítimas de modo muito mais duro", reconhece Maarten van Aalst, diretor do Centro do Clima da Cruz Vermelha e Crescente Vermelha.
Regras de distanciamento físico para conter o vírus, por exemplo, podem diminuir a capacidade de abrigar vítimas de tempestades em ginásios e igrejas, e impedir que governos de colocarem os atingidos em ônibus e afastá-los do perigo. Para quem é colocado num acampamento ou é desalojado para uma favela, não há suficiente água e sabão para manter a doença sob controle.
Na combinação, o impacto de diversas crises é maior do que a soma dos choques isolados, resume Van Aalst, acrescentando que muitos deslocados não dispõem de reservas financeiras ou de alimentos para sobreviver até o próximo desastre. Psicologicamente, quando os choques são de naturezas diferentes, "as pessoas se sentem atingidas por todos os lados".
Evacuações preventivas são boa notícia
Em países como Nigéria, Sudão do Sul e Iêmen, quem já havia sido expulso pela violência se tornou, em seguida, vítima de seca e enchentes, indica o relatório. Enquanto isso, em países em torno da bacia do Lago Chade, como Burkina Faso, Mali e Níger, temperaturas elevadas e acesso cada vez mais restrito à água acirraram conflitos existentes. Isso provocou desalojamento, com milicianos sitiando aldeias, incendiando casas e cometendo violações dos direitos humanos em grande escala.
A mudança climática eleva a intensidade e frequência de certos eventos meteorológicos, e isso desaloja grandes grupos populacionais, explica Patricia Schwerdtle, especialista em saúde global que pesquisa clima, migração e saúde na Universidade de Heidelberg. Ela ressalva que sempre houve deslocamentos populacionais devido a alterações no meio ambiente, "mas a mudança climática está agindo como um amplificador da ameaça".
Temperaturas recorde nos Estados Unidos e Austrália, por exemplo, exacerbaram as condições de secura do solo que permitiram o alastramento dos incêndios florestais. No Leste da África, os oceanos mais quentes intensificaram e podem ter aumentado a frequência os ciclones. "O que costumava ser raro, não é mais", comenta Abubakr Salih Babiker, climatologista sudanês da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (Igad).
Contudo, os números também refletem boas notícias: a maioria dos desalojamentos em 2019 foram evacuações preventivas para proteger os cidadãos. Embora os desastres tenham sido destrutivos, os habitantes puderam retornar posteriormente a suas casas – se elas ainda estavam de pé –, sem grande perda de vidas.
Em 2019, quando os ciclones Fani e Bulbul atingiram o sul da Ásia, e os tufões Lekima e Kammuri chegaram ao leste do continente, sistemas de alerta precoce permitiram evacuar milhões de moradores de Bangladesh, China e Filipinas para fora da zona de perigo.
"Esses governos têm medidas e sistemas prontos para antecipar a chegada de um perigo e evacuar suas populações", elogia Bilak, a direitora do IDMC. "Uma evacuação compulsória é, na verdade, uma forma de salvar vidas." Essas operações mantiveram o índice de mortalidade menor na Ásia do que no sul da África, onde, devido à ausência de sistemas de alerta precoce, os ciclones Idai e Kenneth desalojaram menos, porém mataram mais.
Pobres são os mais vulneráveis
Os números do IDMC se referem exclusivamente aos que fogem dentro do próprio país, e não a refugiados que atravessam fronteiras. A maioria dos que deixam seus lares devido às mudanças climáticas permanece no país, observa Schwerdtle. Mas pode levar anos, se não décadas, até retornarem.
Os atuais 5,1 milhões internos deslocados por desastres – que os autores do relatório consideram "só a ponta do iceberg" –, 1,2 milhão são afegãos escapando de secas e inundações nos últimos anos; 33 mil haitianos ainda expulsos pelo terremoto de 2010; e um pequeno número de japoneses que abandonaram Fukushima após o desastre nuclear de 2011.
"Quem se mantém deslocado por um longo período tende a ser os que já eram vulneráveis antes do desastre", aponta Bilak, ressaltando que, mesmo nos países ricos, o impacto sobre os pobres é desproporcionalmente grande.
Alguns buscam refúgio em acampamentos, enquanto outros se mudam para favelas urbanas, a fim de encontrar trabalho. Numa megacidade como Lagos, Nigéria, em que mais da metade da população vive em assentamentos informais, a aglomeração residencial pode transformar as favelas em celeiros de moléstias.
Muitos desalojados internos foram forçados a ir para áreas já superlotadas, devido às quarentenas do coronavírus, lembra Rebecca Roberts, pesquisadora de Lagos que estuda estratégias de autoajuda entre desalojados internos nas cidades. "Estamos especialmente desesperados que a covid-19 não chegue às favelas, pois as condições de vida lá criariam uma crise absoluta da doença", adverte.
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