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Clássicos em meio à crise

6 de setembro de 2009

Já que políticos não se ocupam dos temas importantes, cabe ao teatro fazê-lo – sempre com um olho na bilheteria. Tarefa difícil, pois faltam textos contemporâneos à altura. Clássicos de sempre e adaptações são saída.

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'Rei Lear' é constante nos programasFoto: picture-alliance/ dpa

Nas próximas semanas, inicia-se a temporada teatral nos países de língua alemã. Ela é marcada pela estreia de vários novos diretores nas grandes casas. Ulrich Khuon assume o Deutsches Theater de Berlim, Joachim Lux o hamburguês Thalia Theater, Matthias Hartmann o Burgtheater de Viena.

Mas também os palcos de Frankfurt, Hannover, Dresden e Dessau, entre muitos outros, estarão sob nova direção. Isto indica movimento – pelo menos aparentemente, já que, numa primeira olhada pelos programas, chama a atenção o retorno de um clássico: Rei Lear, de William Shakespeare.

O eterno rei errante

Lear erra em meio à chuva e borrasca, entregue ao desvario. Como é tão comum na obra shakespeareana, as forças da natureza enlouquecem quando a ordem social humana é destruída. O rei dividira seu reino entre as três filhas – ou, mais precisamente, entre as duas que o cegaram com falsas lisonjas. A única que o ama verdadeiramente, ele enjeitou. Agora seu poder se esvaiu, arbitrariedade e terror tomaram conta da Inglaterra.

Somente no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, Rei Lear aparece quatro vezes na agenda da temporada teatral que se inicia: em Colônia, Bochum, Moers e Wuppertal. De maneira só comparável a outra obra de Shakespeare (Macbeth), Lear fala de uma crise provocada por suas próprias vítimas, que leva à ruptura de toda uma forma de sociedade.

Ela mostra quão frágeis os poderosos podem ser, basta cometerem um único erro. São óbvios os paralelos com os chefões da economia, ainda há pouco "reis dos balancetes", e que agora se veem obrigados a mendigar por um crédito transitório a ser assegurado pelo Estado.

Ausência dos grandes temas

Die Kontrakte des Kaufmanns
'Kontrakte' de Jelinek em ColôniaFoto: David Baltzer

Que bom que alguns clássicos ainda revelem tanto sobre o presente, pois, entre as numerosas estreias dos últimos anos, o drama político é uma presença rara. É certo que os autores alemães deixaram de se ocupar apenas com problemas familiares, mas em quase todas as novas obras falta a coragem de elaborar uma mensagem universal, embalada numa trama emocionante.

Talvez a peça Öl ("Óleo" ou "Petróleo"), de Lukas Bärfuss, venha a ser uma exceção. Sua première está programada para meados de setembro, em Berlim. Mas os dramaturgos do país geralmente se apegam ao pequeno, descrevendo de maneira semidocumental problemas situados numa determinada cidade. Nada contra. Contudo, via de regra, essas peças perdem a relevância quando não possuem uma conexão local, e nunca mais são representadas.

Sucesso de Jelinek

Um sucesso desta temporada é Die Kontrakte des Kaufmanns (Os contratos do comerciante), de Elfriede Jelinek, estreada em Colônia. Também a autora tomou como ponto de partida um escândalo financeiro concreto, ocorrido em Viena, conseguindo, porém, transformar sua peça num acerto de contas com o capitalismo em geral.

Em seu estilo típico, a dramaturga austríaca esbraveja contra um sistema inumano, em repetições quase maníacas e eloquente violência verbal. Para encenar na íntegra o texto de seis a sete horas de Jelinek é necessária uma direção firme e corajosa, assim como atores de primeira classe. Uma das questões mais interessantes desta temporada é: como isso será possível nas muitas casas de médio porte que se dispõem a apresentar Contratos.

"Veja o filme, leia o livro..."

Filmszene aus "Sein oder Nichtsein" von Ernst Lubitsch
'Ser ou não ser': o original de Ernst Lubitsch (1942)

Adaptações de romances para o palco continuam em alta. Este é mais um indício de que os realizadores teatrais sentem falta dos grandes temas na dramaturgia contemporânea. O Deutsches Theater abre a temporada com O coração das trevas, de Joseph Conrad.

Para o teatro municipal de Düsseldorf, John von Düffel adaptou O dinheiro (1891), de Émile Zola, "romance de bolsa de valores". Frankfurt anuncia Cidade de vidro, de Paul Auster, e até mesmo E o vento levou, com base no épico de Margaret Mitchell, consagrado por Hollywood em 1939.

Enfim: não há praticamente nenhuma fonte de prosa diante da qual os adaptadores teatrais compulsivos recuem. O mesmo se aplica ao cinema: presença constante nos programas é a comédia de resistência Ser ou não ser, de Ernst Lubitsch, situada na Polônia ocupada pelos nazistas.

O papel da política

11.8.07 K21 LUK PERCEVAL
Luk PercevalFoto: DW-TV

É claro que uma meta dos novos diretores artísticos nos grandes palcos é produzir o máximo de sucessos de bilheteria. Por isso, em setembro e outubro, é grande o número de montagens assinadas pelos maiores nomes teatrais do momento. Andreas Kriegenburg, Stefan Pucher, Luk Perceval, Stephan Kimmig, Michael Thalheimer, também o jovem David Bösch, com um pé em Viena, o outro em Berlim: todos eles produzem uma montagem atrás da outra.

Nesse contexto, é uma agradável surpresa encontrar outras assinaturas, pelo menos em Hannover, Dresden e Zurique. Pode também tratar-se de uma solução ditada pela necessidade, já que os diretores mais solicitados têm mais trabalho do que podem dar conta.

Quando houver passado o frisson em torno dos diretores artísticos estreantes, o critério para julgar seu trabalho será: quais teatros encontraram formas convincentes de tratar a atual situação de reviravolta social. Pois, já que em suas campanhas eleitorais os políticos alemães não se ocupam dos temas realmente relevantes, cabe ao teatro fazê-lo.

Autor: Stefan Keim / Augusto Valente
Revisão: Soraia Vilela