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Os sinais das disputas de 2º turno em quatro capitais-chave

25 de outubro de 2024

Esquerda fragilizada e disputas pelo controle da direita. Como o segundo turno em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Fortaleza vem refletindo tendências do cenário nacional.

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Ricardo Nunes
Ricardo Nunes (quarto à dir.) tem o apoio do governador Tarcísio de Freitas em São Paulo, mas aliança com bolsonarismo tem sido marcada por fissurasFoto: Luiz Blanco Redes/Fotos Públicas

Moradores de 15 capitais voltam às urnas neste domingo (27/10) para o segundo turno das eleições municipais, que refletem algumas tendências do cenário nacional, como confrontos pelo controle da direita e uma posição fragilizada da esquerda.

A disputa entre direita institucionalizada e bolsonarismo radical tem sua expressão mais clara em Curitiba, onde estão no segundo turno Eduardo Pimentel (PSB), com o apoio do PL de Jair Bolsonaro, e Cristina Graeml (PMB), que era praticamente desconhecida e conseguiu cativar a ultradireita se apresentando como "antissistema". 

Algo parecido com o que ocorreu em São Paulo no primeiro turno, onde Pablo Marçal (PRTB) representou o polo radical e por pouco não avançou ao segundo turno. Na capital paulista, a disputa agora está entre um representante da direita tradicional, Ricardo Nunes (MDB), e Guilherme Boulos (PSOL), que mesmo com o apoio enfático do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está mais de 10 pontos atrás segundo as últimas pesquisas.

O PT não elegeu nenhum prefeito de capitais no primeiro turno, e está numa disputa acirrada com o PL em Fortaleza, a capital mais importante do Nordeste, onde o lulismo é mais forte. Lá, o petista Evandro Leitão e André Fernandes (PL) estão tecnicamente empatados nas pesquisas.

Porto Alegre, que há seis meses sofreu uma enchente histórica que revelou problemas de gestão em equipamentos e políticas municipais, caminha para reeleger o prefeito Sebastião Melo (MDB), beneficiado por uma divisão na esquerda entre Maria do Rosário (PT), que foi ao segundo turno, e Juliana Brizola (PDT), neta do ex-governador Leonel Brizola.

À DW, os cientistas políticos Carlos Ranulfo, professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do Observatório das Eleições, e Emerson Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná, analisaram as disputas nessas quatro capitais.

São Paulo: Direita consolidada apesar de apoio de Lula

A capital paulista viveu no primeiro turno uma das eleições mais acirradas de sua história: Nunes ficou em primeiro com 29,48% dos votos válidos, Boulos, com 29,07% e Marçal, com 28,14% – uma diferença entre eles de menos de 100 mil votos, num universo de cerca de 9 milhões de eleitores.

Para Ranulfo, se o elemento mais claro do primeiro turno foi o "racha do bolsonarismo", quando Marçal "literalmente roubou parte desse eleitorado nas barbas do Bolsonaro", o segundo turno mostra consistência do voto conservador na cidade e um erro de avaliação de Lula, que "entrou de cabeça" em uma campanha que de saída tinha pouca chance de sucesso.

"Sabia-se que seria uma disputa muito difícil para Boulos, e a tendência do eleitorado mais de centro e conservador agora é se unir para a vitória de Nunes. O PT tinha que apoiar o Boulos, pois havia um acordo, mas Lula não precisava ter dito que lá é que estava a polarização nacional e que iriam vencer. Ele avaliou mal a conjuntura e essa derrota vai direto na conta do Lula", afirma.

Segundo a pesquisa Datafolha mais recente, feita em 22 e 23 de outubro, Nunes tem 49% dos votos e Boulos, 35%. A margem de erro é de 3 pontos percentuais.

Cervi avalia que Nunes, um prefeito até então desconhecido, esperava ter atraído o eleitor bolsonarista já no primeiro turno escolhendo um vice do PL, coronel Mello Araújo –"mas não deu certo, pois apareceu um candidato [Marçal] que atraía mais os votos desse eleitor". Mesmo assim, foi ao segundo ao turno e deve sair vencedor com o apoio expressivo da máquina estadual – o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), é bem avaliado e teve presença constante na sua campanha.

Lula ao lado de Guilherme Boulos.
Lula ao lado de Guilherme Boulos. Apesar do apoio do presidente, candidato de esquerda aparece em desvantagem em São PauloFoto: Ricardo Stuckert/PR

Curitiba: ultradireita antissistema x direita institucional

Na capital paranaense, a maior novidade é a candidata de ultradireita Cristina Graeml (PMB). Filiada a um partido nanico, cuja direção nacional tentou impedir sua candidatura, ela tinha menos de 3% das intenções de voto na largada da eleição, mas disparou na última semana do primeiro turno e terminou com 31,17% dos votos válidos, perto do líder, o atual vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD), membro de uma tradicional dinastia política do Paraná e que tem o apoio do PL. No primeiro turno, Pimentel teve 33,51% dos votos.

Graeml beneficiou-se da divulgação de uma denúncia contra Pimental feita por um servidor que afirmou ter sido coagido a comprar convites para ajudar a financiar sua campanha, e aproveitou sua primeira participação em um debate – na rede Globo – para apresentar-se como a única candidata antissistema da capital paranaense.

"O PSD [de Pimentel] não é um partido confiável para o bolsonarismo raiz", diz Cervi. A legenda é a mesma do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que vem bloqueando pedidos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, e comanda três ministérios no governo Lula (Minas e Energia, Agricultura e Pecuária e Pesca e Aquicultura).

Após o debate da Globo, e com uso sistemático de redes sociais, os bolsonaristas identificaram em Graeml o nome que melhor os representava e migraram em massa para a candidatura da jornalista, que nos últimos anos se destacou por críticas a vacinas e por defender os golpistas de 8 de janeiro. "Ela ganhou eleitores que vinham declarando voto em Pimentel por falta de conhecimento de alternativa e de outros que estavam indecisos", diz Cervi.

Apesar de o PL ter a vice de Pimentel, após o primeiro turno Bolsonaro telefonou para Graeml, disse que estava torcendo por ela e autorizou a divulgação do áudio da conversa – uma demonstração, diz Cervi, de que Bolsonaro "não tem visão de partido e, apesar de se identificar como líder, não lidera – em vez disso, segue o movimento". Já no primeiro turno, Graeml também recebeu apoio de Marçal.

Ele calcula que, como no Brasil, o "bolsonarismo raiz" represente cerca de 20% do eleitorado total de Curitiba – e, de acordo com o mapa de votação em Graeml, é mais forte nos bairros centrais e de classe média alta da cidade. Já Pimentel foi melhor em bairros mais pobres, onde moram pessoas que "dependem diretamente de políticas públicas" – o atual prefeito, Rafael Greca (PSD), está encerrando o mandato com alta aprovação.

O lavajatismo, que surgiu em Curitiba, fracassou nesta eleição. O ex-juiz Sergio Moro (União), indicou sua mulher, Rosangela, para ser vice de Ney Leprevost, do mesmo partido. Leprevost acabou em quarto lugar, com apenas 6,4% dos votos – e, logo após o pleito, trocou acusações públicas com Moro.

"Não há espaço em Curitiba para duas direitas institucionalizadas e uma direita antipolítica. E a direita institucionalizada ficou com Pimentel", diz Cervi. O segundo turno entre duas direitas, avalia, indica que ambas estarão fortes para as eleições à Câmara e ao Senado em 2026 no estado.

Curitiba
Curitiba é palco de disputa entre outsider de ultradireita e vic-prefeito herdeiro de dinastia políticaFoto: Edson De Souza/TheNEWS2/ZUMA Press Wire/picture alliance

Porto Alegre: Provável reeleição apesar de enchente histórica

A capital gaúcha completa na próxima semana seis meses da enchente histórica, quando falhas de equipamentos públicos e políticas municipais vieram à tona. Isso não impediu o atual prefeito Sebastião Melo (MDB) de quase se reeleger no primeiro turno, com 49,72% dos votos válidos.

Melo, que tem como candidata a vice Betina Worm, do PL, e uma coligação ampla, conseguiu ao longo da campanha defender sua gestão e a reação do governo à enchente, avalia Ranulfo. "Além disso, a oposição achar que pode explorar tragédia é um pouco complicado – como Boulos em São Paulo com o apagão. Tem que fazer a crítica, mas é difícil explorar sem que o eleitor ache meio oportunista."

O atual prefeito também se beneficiou da divisão da esquerda, entre Maria do Rosário (PT), que terminou o primeiro turno com 26,28% dos votos, e Juliana Brizola (PDT), que ficou com 19,69%. "A esquerda ali tinha potencial pra uma campanha unificada, mas acabou se dividindo e facilitando a vida do Sebastião [Melo]", diz Ranulfo.

Cervi lembra que, antes da campanha, o PT já sabia que a taxa de rejeição a Maria do Rosário era alta em Porto Alegre. "E no segundo turno é a rejeição que fala mais alto. Se tivesse ido a Juliana, poderia até ter outro cenário", diz.

Enchente em Porto Alegre
Em Porto Alegre, atual prefeito Sebastião Melo (MDB) deve ser reeleito apesar do desgaste provocado pelas enchentes de maioFoto: Amanda Perobelli/REUTERS

Fortaleza: Embate crucial entre PT e PL

Capital mais populosa do Nordeste, Fortaleza protagonizou um primeiro turno que desafiou candidatos tidos como favoritos. O atual prefeito, José Sarto (PDT), apesar de ser de um partido com longa tradição no Ceará, ficou em terceiro lugar. E Capitão Wagner (União), que em 2022 quase foi eleito governador, acabou a disputa em quarto lugar.

Foram ao segundo turno André Fernandes (PL), que recebeu 40,2% dos votos válidos, e Evandro Leitão (PT), que teve 34,33%. No momento ambos estão em empate técnico, segundo as últimas pesquisas.

"A maioria das prefeituras que o PT ganhou fica no Nordeste, mas falta uma capital, e o Bolsonaro adoraria ficar com uma capital importante lá. O PL já venceu em Maceió e deve vencer em Aracaju, mas são de menor expressão", afirma Ranulfo. Por isso, Fortaleza é fundamental para os dois partidos.

Lula inclusive foi a Fortaleza fazer campanha para Leitão após o resultado do primeiro turno, ao lado do petista Camilo Santana, atual ministro da Educação, que já governou o Ceará por dois mandatos.

No segundo turno, o PDT optou por ficar neutro da disputa. Seis dos oito vereadores da legenda apoiaram o PL, enquanto a juventude do PDT e dois vereadores apoiaram o PT. Uma evidência, diz Ranulfo, de como o partido fundado por Brizola "está numa crise ideológica fantástica" – a legenda também discute formar uma federação com o PSDB.