Os planos de arquitetos para a casa onde nasceu Hitler
3 de julho de 2020"Claro que nos perguntamos se não seria importante criar um lugar de preservação da memória", diz Stefan Marte, do escritório de arquitetura Marte.Marte, que venceu a concorrência para reformar a casa onde nasceu Hitler. "É um triste fato que Adolf Hitler tenha nascido aqui, mas por outro lado é apenas o local de nascimento." Marte lembra que a era nazista foi um período curto, considerando que a história da casa é muito mais longa, tanto antes como depois desse espaço de tempo.
A casa do século 17, que fica em Braunau am Inn, na Áustria, está tombada pelo patrimônio histórico. Antigamente era o restaurante de uma cervejaria. Mais tarde, passou a abrigar apartamentos alugados.
No final do século 19, Klara e Alois Hitler se mudaram para lá, onde, em 20 de abril de 1889, nasceu o terceiro de seus seis filhos. Por causa desse nascimento, a casa em Braunau ainda hoje é objeto de controvérsia, pois esta criança, Adolf Hitler, muitos anos mais tarde viraria ditador e iniciaria a Segunda Guerra Mundial, sendo responsável pelo Holocausto e causando um sofrimento indescritível ao mundo.
Durante o período nazista, o partido NSDAP de Hitler fez da casa um centro cultural com uma galeria e biblioteca pública em homenagem ao seu Führer. Após a Segunda Guerra, as tropas americanas a transformaram em memorial. Nos anos seguintes, lhe foram acrescentadas uma biblioteca, uma escola e ao fim, por mais de 30 anos, uma oficina para pessoas com deficiência. Mas ela teve de ser transferida para outro local em 2011 devido à necessidade de reformas. Desde então, o prédio está vazio.
Em 2017, a Áustria expropriou a proprietária, após um longo período de desacordo sobre o uso do prédio. A demolição não foi possível por se tratar de um patrimônio histórico. Em novembro de 2019 foi organizado um concurso entre arquitetos para o saneamento do prédio.
Agora, a casa está sendo revitalizada para abrigar o comando policial de Braunau, como um sinal de democracia, direitos humanos e segurança contra perseguições. As obras deverão custar 2 milhões de euros, e a conclusão está prevista para o final de 2022.
O escritório austríaco de arquitetura Marte.Marte, ganhador do concurso, também projetou o Centro de Documentação Fuga, Desalojamento, Reconciliação, que deverá abrir em Berlim em 2021.
"Como arquiteto, você aborda um projeto desses de maneira imparcial e com uma certa ingenuidade: há diretrizes, e você considera a melhor maneira de implementá-las", diz Stefan Marte. "Você abstrai e observa a arquitetura, a construção, e pensa no que pode ser melhorado. Há um material histórico valioso, como as casas de corredor lateral típicas da área, com um terreno grande, que complementaremos com novas construções."
O júri do concurso elogiou a simplicidade do prédio, que não atrairá a atenção depois que estiver reconstruído. Como a fachada ainda se assemelha às fotos de arquivo da época nazista, havia uma grande preocupação de que se torne um lugar de peregrinação para neonazistas posarem para fotografias.
O texto da licitação previa que "a reforma externa do prédio existente visa eliminar a memória do tempo do nacional-socialismo", assim como "impedir o cultivo, fomento ou disseminação de ideias nazistas ou de uma memória positiva do nazismo".
"Queremos extrair o original do prédio e revivê-lo", diz o arquiteto. Os nazistas haviam deixado o interior da casa quase inalterado. "O NSDAP mudou apenas a fachada, remodelando as formas e tamanhos das janelas para tornar a casa mais imponente. O lado de trás permaneceu como era."
"Não existe uma única solução ideal"
É difícil determinar o significado histórico do prédio porque não é um local de acontecimentos atuais, nela não foram cometidas atrocidades – e Hitler não tomou decisões aqui: quando os pais se mudaram, ele tinha 3 anos.
No entanto, a casa é exemplar para o debate sobre o manuseio correto de construções historicamente problemáticas, como o Estádio Olímpico de Berlim ou a arquitetura italiana do fascismo, que inclui muitos prédios que ainda hoje honram Benito Mussolini. A questão é: derrubá-los, reformá-los ou preservá-los como testemunho da história, e também como advertência?
"Em arqueologia, chamamos a tentativa de apagar a memória damnatio memoriae, que foi generalizada no Egito e em Roma", diz o historiador vienense Marcello La Speranza, autor de um livro sobre o legado nazista na arquitetura. "É uma questão de banir todas as evidências de existência e assim apagar o passado de nossos sentidos", afirma. Mas a própria história mostra que não é possível apagá-la.
O historiador diz que não pretende "atribuir maior dimensão histórica à casa onde Hitler nasceu, pois apenas por acaso é a casa onde ele nasceu". No entanto, o prédio tem essa história e apagá-la, "sem uma referência ao passado, também pode criar novos mitos em torno dela, especialmente em círculos com ideologias de direita". Uma alternativa possível em prédios historicamente importantes é a inclusão de uma área com informações, afirma.
O arquiteto Stefan Marte diz que o modo de lidar com prédios históricos deve ser avaliado de caso para caso: "Não há dúvida de que também haveria outras possibilidades de manter esse prédio para, por exemplo, preservá-lo como parte da história, da forma como o NSDAP o deixou. Não existe, portanto, uma única solução ideal".
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