Os jovens tailandeses se cansaram dos luxos do rei
24 de novembro de 2020Uma série de protestos de adolescentes por mudanças no sistema educacional e mais democracia se tornou o mais amplo movimento em anos de contestação ao governo militar e à monarquia na Tailândia. No centro da indignação dos jovens está um monarca de hábitos nababescos que, durante grande parte do ano, sequer reina do próprio país, mas de um palacete no sul da Alemanha.
Maha Vajiralongkorn, de 68 anos, herdou o trono de seu pai em 2016. Ele atualmente está em Bangcoc, mas vive grande parte do tempo no exterior, precisamente na Alemanha, se revezando entre sua mansão à beira do lago Starnberg, ao sul de Munique, e um hotel de luxo nas montanhas de Garmisch-Partenkirchen, mesmo durante a pandemia.
Isso serviu apenas para aumentar a ira dos adolescentes, que desde julho desafiam quase diariamente a repressão num país em que criticar o rei pode ser crime e onde historicamente manifestações opositoras são dissolvidas com mão de ferro.
Com frequência, Vajiralongkorn vem sendo chamado de "lagarto gigante" pelos manifestantes, uma das piores coisas que pode ser ditas a um tailandês. Seus hábitos sexuais são alvo constante de pichações e deboche nas ruas – o rei não esconde que conta com um "exército de soldadas sexuais”, que ele também leva para suas viagens na Alemanha.
"Nós representamos os meteoros que esmagaram os dinossauros rumo à extinção", afirmou Benjamaporn, de 15 anos e um dos líder dos estudantes, majoritariamente de Ensino Médio.
Espera-se que os protestos atinjam seu auge nesta quarta-feira (25/11). A polícia tailandesa advertiu que não permitirá que ativistas pró-democracia se aproximem demais do Escritório de Propriedades da Coroa, a agência que administra o patrimônio do rei. Cerca de 6 mil policiais serão destacados para o local.
As demandas dos manifestantes
Os protestos têm três exigências centrais: a remoção como primeiro-ministro de Prayuth Chan-ocha, um antigo general que chegou ao poder através de um golpe militar seis anos atrás; uma nova Constituição; e reformas do regime monárquico, embora sem sua abolição total.
Os estudantes também buscam maior liberdade e tratamento mais justo dentro de um sistema educacional que dizem ser arcaico e destinado principalmente a estimular a obediência incondicional. Nas ruas, muitos falam também da importância da igualdade de gênero e do respeito aos homossexuais, numa cultura extremamente machista.
Mas nada vem sendo alvo maior dos manifestantes do que o rei. Seus complexos arranjos familiares são fonte de deboche constante. No ano passado, por exemplo, ele se casou com sua quarta esposa, mas nomeou outra mulher como a consorte real. Depois, expulsou a consorte por supostamente tentar tomar o lugar da rainha, mas restaurou seu status novamente em setembro.
Mas, acima de tudo, os manifestantes pedem uma investigação sobre os bilhões de dólares de riqueza da coroa, que agora estão sob o controle pessoal do rei. Nos quatro anos no trono, o monarca conseguiu, além disso, montar unidades militares leais a seu comando, através de dezenas de elevações-relâmpago de patente.
Liderado por estudantes e outros jovens, o movimento de protesto tailandês abraçou também uma série de questões: apoia os direitos dos gays e os sindicatos de trabalhadores, e pede o fim das rígidas regras escolares e um imposto especial que existe sobre produtos para menstruação.
"Fui abusada sexualmente por professores. A escola não é um lugar seguro", dizia um cartaz segurado por uma aluna, sentada de uniforme e com a boca tapada por uma fita adesiva em protesto.
Uma das hashtags usadas pelos manifestantes nas redes sociais em tailandês pode ser traduzida como #AdeusDissonauros.
Um porta-voz do governo disse que o primeiro-ministro espera que os manifestantes exerçam sua liberdade de forma construtiva e dentro da lei no grande protesto desta quarta-feira.
Na Tailândia, as acusações de lesa-majestade são rotineiramente interpretadas para incluir qualquer crítica à monarquia - incluindo conteúdo postado ou compartilhado nas mídias sociais. Qualquer pessoa condenada por difamar, insultar ou ameaçar o rei, rainha, herdeiro ou regente enfrenta entre 3 e 15 anos de prisão por cada acusação.
Pressão na Alemanha
O Parlamento alemão disse nesta semana que o rei Maha Vajiralongkorn possui imunidade diplomática durante suas longas estadias na Baviera, mas que o Estado tem o poder de expulsá-lo do país.
De acordo com uma avaliação dos serviços acadêmicos do Parlamento, feita após demanda do partido A Esquerda, o Estado alemão tem muito pouco poder para processar o rei tailandês, apesar das recentes ameaças do ministro do Exterior Heiko Maas.
Maas advertiu Vajiralongkorn que ele não deveria reger a Tailândia a partir da Alemanha, em meio a protestos contínuos contra um governo visto cada vez mais como antidemocrático. Mais de 50 pessoas foram feridas por forças policiais e militares nas manifestações em Bangcoc somente nesta semana.
Mas, segundo o Parlamento, a menos que o expulse como persona non grata, a Alemanha não tem como processar o rei, que representa a Tailândia mesmo quando está de férias. Isso significa que, sob imunidade diplomática, ele não pode ser punido por crimes cometidos na Tailândia ou ser colocado sob vigilância.
O rei retornou à Tailândia em outubro, mas o partido A Esquerda pediu ao governo alemão que o proíba de voltar à Alemanha. "Quem, como o rei, reprime brutalmente um movimento democrático com uma junta militar, não deve ser recompensado com um visto para estadias prolongadas de luxo na Alemanha", disseram os deputados Sevim Dagdelen e Heike Hänsel, em declaração conjunta.
No início de novembro, o Ministério do Exterior alemão disse não ter encontrado provas de que o rei emitia decretos a partir da Baviera que violavam os direitos humanos. Políticos da oposição, porém, disseram que isso é improvável, considerando a longa duração das estadias do rei na Alemanha.
RPR/dpa/rtr