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PolíticaUruguai

Os desafios de Yamandú Orsi, discípulo de Mujica, no Uruguai

26 de novembro de 2024

Presidente eleito tem perfil de negociador político, que lhe será útil sem maioria absoluta na Câmara dos Deputados e inúmeros desafios no governo.

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Presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi
Se há algo que define o passado político de Yamandú Orsi é a sua busca pelo entendimentoFoto: Natacha Pisarenko/AP Photo/picture alliance

"Serei o presidente que convocará continuamente o diálogo nacional", afirmou o presidente eleito do UruguaiYamandú Orsi, no breve discurso com o qual festejou sua vitória no segundo turno da eleição de domingo (24/11).

De fato, se há algo que define o passado político de Orsi, é a sua busca pelo entendimento. Durante uma década, Orsi foi governador de Canelones, o segundo departamento mais populoso do país, onde nasceu há 57 anos numa família humilde.

Perfil de negociador político

Algo essencial no cargo de governador uruguaio é a capacidade de negociação – qualidade que até os críticos de Orsi reconhecem nele. "Era necessária uma maioria especial para aprovar determinados empréstimos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e ele a conseguia negociar com a oposição", explica Guedes.

"Não estamos falando de um estadista ou de um intelectual. Estamos falando de uma pessoa que foi secretário-geral do governo de Canelones por dois períodos consecutivos e governador duas vezes seguidas", afirma o cientista político Alejandro Guedes.

Essa bagagem política e seu espírito conciliador lhe serão úteis no futuro, quando tiver que buscar acordos na Câmara dos Deputados, onde não obteve a maioria absoluta por uma diferença de apenas duas cadeiras.

Guedes acrescenta que a origem humilde e a sua forma de se expressar, com um linguajar popular, propiciam a Orsi uma empatia com o eleitorado.

Discípulo de Mujica

Orsi estudou em Montevidéu, onde se tornou professor de história. Foi na capital que ele teve contacto com o Movimento de Participação Popular (MPP), liderado por José "Pepe" Mujica, que viria a governar o país entre 2010 e 2015 e se tornar um dos maiores símbolos da esquerda sul-americana. Tal como o seu mentor, que preferiu morar em sua fazenda durante o mandato, Orsi já afirmou que também não ocupará a residência oficial da Presidência.

Há ainda outras semelhanças entre eles. "Mujica, além de ser uma referência internacional, acabou se tornando um incentivador da moderação na política interna, na negociação. Orsi é muito parecido, mas, pelas suas origens, tem um espírito ainda mais negociador", diz o historiador e cientista político uruguaio Gerardo Caetano.

A atitude de Mujica mudou significativamente desde a sua época de guerrilheiro, com um posicionamento atual mais próximo da social-democracia. O mesmo ocorre com Orsi. "A referência da esquerda regional é Lula, mas a liderança jovem de Gabriel Boric [presidente do Chile] também reverbera em figuras como Orsi, como nas opiniões bastante críticas aos regimes de Venezuela, Nicarágua ou Cuba", observa Caetano.

Nicolás Maduro e Javier Milei

O Uruguai teve que retirar todo o seu pessoal diplomático da Venezuela após o governo de centro-direita de Luis Lacalle Pou questionar o processo eleitoral de julho de 2024, que culminou na contestada reeleição do presidente Nicolás Maduro. Orsi foi forçado a se posicionar claramente na campanha contra o regime venezuelano. "Ele vai tentar manter boas relações com a Venezuela, mas com uma prudência cirúrgica", analisa Guedes.

Quanto à vizinha Argentina, com Javier Milei entre os antípodas ideológicos e pessoais de Orsi, ambos os especialistas preveem a habitual cordialidade. "O Uruguai sabe manter a diplomacia com os países vizinhos porque, obviamente, a economia do Uruguai depende em grande medida não só do Mercosul, mas também da Argentina e do Brasil. Isso está bem claro. Essa ponte nunca foi explodida na campanha de Orsi em relação a Milei", enfatiza Guedes.

Com uma população de 3 milhões de habitantes e situado entre os dois gigantes econômicos Brasil e Argentina, o Uruguai, seja qual for a ideologia de seu governo, sempre buscará a cordialidade da boa vizinhança. "Orsi conduzirá seu mandato de presidente uruguaio evitando qualquer desentendimento com o presidente argentino", afirma Caetano. "Ele, igualmente, vem de uma tradição política onde a ideia de autonomia nacional é muito importante: 'Não me envolvo na política argentina porque, entre outras coisas, não quero que eles se envolvam na minha.'"

Desafios de política interna

Orsi enfrentará numerosos desafios em seu próprio país: salários, subsídios estudantis, aposentadorias, pobreza infantil, segurança social, educação, cuidados de idosos num país envelhecido, a agenda de gênero, entre outros.

Mas, se há um problema que preocupa a população uruguaia é a violência. "O Uruguai ficou inseguro. O país tem indicadores de homicídios por 100 mil habitantes muito elevados, sua taxa é o dobro da argentina. Nos bairros pobres, a insegurança é muito elevada e, num percentual muito alto, ligada ao tráfico de drogas", explica Caetano.

O historiador e cientista político afirma que o país se tornou um depósito para o tráfico de drogas da região, devido, entre outras razões, à vulnerabilidade da defesa do Uruguai por terra, mar e ar. Isso teria feito com que o porto de Montevidéu se tornasse "o porto de partida de grandes carregamentos de drogas com destino à Europa".

"É uma questão que o próximo presidente terá de abordar não apenas dentro das fronteiras, mas também em nível regional", afirma Caetano. Nesse ponto, a liderança de Orsi em negociar será novamente testada.