O ministro e a imprensa
27 de fevereiro de 2011O escândalo de plágio da tese de doutorado do ministro alemão da Defesa tem grande repercussão na Alemanha, ocupando há dias as manchetes dos jornais. A opinião generalizada da imprensa do país é bem definida: a maioria dos comentaristas da mídia entende que Guttenberg obteve o título acadêmico de forma ilícita e deve, por isso, renunciar. Apenas o influente Bild, diário de maior tiragem na Alemanha e maior tablóide europeu, continua defendendo o ministro com toda veemência, contribuindo para manter no cargo aquele que, apesar de tudo, ainda é o político mais popular do país.
Em 16 de fevereiro, o jornal Süddeutsche Zeitung publicou uma matéria exclusiva sobre suspeitas de plágio na tese de doutorado de Karl-Theodor zu Guttenberg. A acusação era assunto de destaque da edição daquele dia do prestigiado jornal de Munique, um dos maiores do país. Claro que o Bild não poderia ignorar o tema. Mas o periódico manteve-se contido ao abordar a pauta, um comportamento atípico para esse veículo popular.
Os leitores, entretanto, não precisaram de esforço para reconhecer que o influente diário da editora conservadora Axel Springer estava disposto a, se necessário, defender o ministro que sofria uma chuva de críticas de todo o resto da imprensa.
"À m**** com o título de doutor"
O jornalista Franz Josef Wagner, um dos mais destacados colunistas do tablóide, defendia Guttenberg na sua coluna. "Não entendo de dissertações de doutorado. Fui reprovado nas provas de admissão à faculdade e nunca vi uma universidade por dentro. Então, posso dizer da minha posição: não encrenquem com um bom homem. O título de doutor que vá à m****."
Isso é típica linguagem do Bild. Os editores do jornal se acham defensores do povão. E, no caso de Guttenberg, estava claro: o homem tem grande popularidade. E mais do que isso: o ministro da Defesa procurou desde o princípio aproximação com o Bild. Seja no lado privado ou profissional, ele sempre conseguiu uma boa repercussão nos artigos do tablóide.
Os repórteres do Bild estiveram entre os poucos eleitos para acompanhar o político durante visitas-relâmpago às tropas alemãs no Afeganistão. O jornal também divulgou com destaque as atividades da esposa de Guttenberg, apresentadora de um programa na televisão alemã que fazia caça aos pedófilos.
Nikolaus Blome, diretor da sucursal do Bild em Berlim, não esconde a linha da editora para que trabalha "O que é certo é que temos uma opinião definida sobre esse ministro e o achamos bom".
Bild ignorou enquete em homepage
No dia em que o ministro da Defesa foi sabatinado no parlamento alemão sobre o caso, o Bild declarou que aquele era o "dia da decisão sobre Guttenberg", convocando os leitores, em sua primeira página, a opinar, por telefone ou fax, se o ministro deveria permanecer no cargo.
"Sim, estamos do lado de Guttenberg!" foi a manchete do dia seguinte, dando o resultado da enquete, na qual 87% se disseram a favor do político. Entretanto, o jornal deixou de citar sua homepage, que registrava números muito diversos de uma sondagem similar. Nela, 55% dos internautas opinaram a favor da renúncia de Guttenberg.
Mesmo assim, o ministro da Defesa continua contando com grande popularidade entre uma extensa camada da população, o que faz com que o jornalista Hans Leyendecker, do Süddeutsche Zeitung, chame Guttenberg de um "fenômeno". Outros políticos, lembra ele, renunciaram por questões muito menos graves, após sofrerem pressão da opinião pública.
"No caso dele, há uma avaliação positiva do incidente. As pessoas acham que ele tem grande caráter, que é muito confiável e que é diferente dos outros, também pelo fato de ter dinheiro e não estar na profissão em proveito próprio. As pessoas associam diversas outras coisas com ele. No momento, os eleitores o perdoam por coisas que, acho, não perdoariam de um outro político", avalia Leyendecker.
A aliança entre o Bild e Guttenberg é capa da revista Der Spiegel nesta semana e já foi assunto no parlamento alemão. O social-democrata Hans-Peter Bartels criticou durante um debate parlamentar o fato de o tablóide comemorar com letras garrafais a permanência do ministro da Defesa no cargo, enquanto, no mesmo dia, dedica muito menos espaço à notícia da morte de soldados alemães no Afeganistão.
Tablóide é beneficiado com anúncios do governo
Quando o Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão) debatia a suspensão da obrigatoriedade do alistamento militar, Guttenberg voltou à pauta das discussões entre os deputados. Em março próximo, o governo planeja começar uma ampla campanha publicitária para convocar voluntários às Forças Armadas, inserindo grandes anúncios nos veículos da editora que publica o Bild.
"Acho altamente interessante que os contratos publicitários para chamar voluntários sejam fechados exclusivamente com os veículos do Bild. Uma reforma das Forças Armadas baseada em uma negociata suja com a [editora Axel] Springer não pode dar certo", acusou Jürgen Trittin, líder da bancada dos Verdes no parlamento alemão.
Um porta-voz do grupo Axel Springer, que publica o Bild, negou tudo, afirmando serem "absurdas e ridículas" as acusações de que haja ligação entre a cobertura jornalística sobre o ministro da Defesa e os contratos publicitários das Forças Armadas.
Enquanto isto, o colunista do Bild Franz Josef Wagner continua defendendo ferrenhamente o político social-cristão. "O que o homem tem que fazer agora para lavar sua honra? Se jogar da janela? Colocar uma pistola na cabeça? Se enforcar na torre do seu castelo?"
A batalha de opiniões sobre Karl-Theodor zu Guttenberg entra agora em nova rodada. E não há como prever quem sairá vitorioso dela.
Autor: Marcel Fürstenau / Marcio Damasceno
Revisão: Augusto Valente