Opinião: É hora de os alemães dizerem basta à espionagem
28 de outubro de 2013Washington, 1972. A sede do Partido Democrata dos Estados Unidos é invadida. Os arrombadores pertenciam aos círculos do presidente Richard Nixon. A tentativa criminosa de adquirir informações sobre a estratégia de campanha eleitoral do grupo oposicionista acabaria custando o cargo ao chefe de Estado republicano, dois anos mais tarde.
Desde então, o escândalo de Watergate constitui uma mancha vergonhosa na cultura política dos EUA. E há quatro décadas o nome é usado como sinônimo para descalabros políticos. Portanto, não é por acaso que o escândalo de espionagem pela Agência de Segurança Nacional (NSA) americana acabou sendo apelidado em Berlim como "Handygate" ("Celulargate", em tradução livre).
Mas quem vai querer comparar a escuta do telefone da chanceler federal Angela Merkel ao escândalo de Watergate? E, no entanto, em princípio a comparação é legítima: na era digital, não é mais preciso pé-de-cabra e lanterna para se arrancarem informações. Os modos de obtenção são outros, o objetivo é o mesmo.
Os americanos fazem tudo o que é possível, mesmo que seja ilegal ou imoral. É o que eles mesmos dizem de si e de suas pretensões de poder. Nesse aspecto, Barack Obama é, acima de tudo, o principal representante dos interesses de seu país – e é por essa perspectiva que olha o mundo. É bem como declarou certa vez o então presidente da França, Charles de Gaulle: os Estados não têm amigos, têm interesses.
E os interesses de Washington são globais. Até onde se sabe, os EUA possuem cerca de 80 centros de interceptação de comunicações ao redor do mundo, dos quais 19 na Europa. Dois cabem à Alemanha, sendo um Berlim, o outro em Frankfurt, centro financeiro e bancário do país. Portanto, um local onde é difícil justificar o monitoramento com o combate ao terrorismo. Tudo leva antes a crer que a intenção seja espionar os círculos das altas finanças. E isso é traição.
Escuta clandestina entre amigos é abuso de poder
A Alemanha tem muito a agradecer aos EUA. Entre outras coisas, os alemães receberam a democracia de presente dos americanos – pois lutar por ela, eles não lutaram. O Plano Marshall é um dos motivos por que o país se tornou o gigante econômico que é, há décadas.
Diante desse pano de fundo histórico, a República Federal da Alemanha – tanto antes como depois da reunificação do país – nunca se emancipou politicamente de Washington por completo. Quase sempre o país se colocou do lado do grande irmão, incondicionalmente. O "não" do ex-premiê Gerhard Schröder à guerra do Iraque foi uma exceção na história recente.
O escândalo de espionagem é, agora, a chance para mais uma cesura. Justamente por a relação Alemanha-Estados Unidos ser tão intensa e indissolúvel, a reação de Berlim deve ser radicalmente nova, no tom e nos atos.
As oportunidades para uma objeção decidida por parte da Alemanha existem. Por exemplo, nas negociações para um tratado de livre comércio entre a União Europeia e os EUA; ou na iniciativa teuto-brasileira de obter uma resolução da ONU contra os americanos.
Independente das consequências, a mensagem deve ser: "Agora chega!" Pois se – passados 70 anos do fim da guerra e 23 da unificação da Alemanha – Washington insiste em se comportar como um invasor digital, então chegou a hora colocar a amizade em questão.