Queixo empinado e olhar fechado: Donald Trump bancou o durão no discurso televisivo em que anunciou a nova estratégia dos EUA para o Irã. O presidente se vê como o protetor dos americanos do mundo malvado que os cerca. E é assim também que ele é visto por muitos de seus apoiadores, que o elegeram justamente por causa disso. E o discurso foi direcionado sobretudo para esses apoiadores. O que os outros pensam não interessa. America First. America Alone.
Na campanha eleitoral, Trump descreveu o acordo nuclear – que seu antecessor Barack Obama alcançou com o Irã ao lado de parceiros europeus, chineses e russos – como um erro e o pior da história dos EUA. Esse mantra de campanha o persegue agora, como também a promessa de acabar com o acordo quando se tornasse presidente.
Tão longe ele não foi nesta sexta-feira. Ainda não. Seus principais assessores de política externa e segurança, o secretário de Defesa Jim Mattis, o secretário de Estado Rex Tillerson e o assessor de segurança nacional H.R. McMaster, aconselharam-no fortemente contra tal decisão, pois sem acordo não haveria como controlar as ambições iranianas no campo das armas nucleares.
E com que cara os Estados Unidos ficariam se rescindissem unilateralmente um acordo embora não haja, a rigor, razão para isso? O governo iraniano está cumprindo as obrigações impostas pelo acordo, o que é confirmado pelos aliados europeus, pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e até pelos generais de Trump.
Mas é pedir demais de Trump querer que ele, a cada 90 dias, confirme ao Congresso e à opinião pública americana que o legado central da política externa de Obama realmente funciona.
E assim o presidente recorre a um truque que ele já gostava de usar na sua vida pregressa de homem de negócios e astro televisivo: ele simplesmente muda as regras do jogo de acordo com seus próprios termos. Não interessa mais se Teerã cumpre as determinações do acordo nuclear, decisivo é se está cumprindo o "espírito" do acordo. E para verificar isso, Trump avalia se Teerã está se comportando bem no geral.
É claro que não. O regime em Teerã oprime o próprio povo, ameaça Israel com a destruição total e apoia o ditador da Síria, Bashar al-Assad, o libanês Hisbolá e outras milícias e grupos terroristas na região. Tudo isso é repugnante e inaceitável, mas não é disso que trata o acordo nuclear. Trata-se de impedir uma corrida armamentista nuclear desenfreada no Oriente Médio, a região que ainda é o foco de tensão mais perigoso do mundo.
E o acordo funciona. Ele não é perfeito, do ponto de vista do Ocidente. É apenas um meio-termo. Mas é melhor do que nada.
Alguns dizem agora: o acordo ainda não está morto, o Congresso ainda pode arrumar as coisas. Mas, na verdade, o estrago já foi feito. A mensagem que fica é: acordos com os Estados Unidos não valem o papel em que são escritos porque o novo presidente americano pode – a qualquer momento e sem necessidade – colocá-los em questão sem oferecer uma alternativa realista.
Além disso, o fato de Trump empurrar a responsabilidade pela solução do problema para o Congresso apenas mostra como esse homem é irresponsável. Um comportamento típico de Trump: encher a boca para acariciar o próprio ego e agradar os apoiadores. E os outros que acertem os detalhes.
Todos aqueles que, no começo do mandato de Trump, ainda acreditavam que o cargo acabaria mudando o populista e que ele levaria a sério sua responsabilidade perante o país e o mundo estão decepcionados. Sad!