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Santos se vai, inspiração para a paz fica

Jose Ospina-Valencia
José Ospina-Valencia
6 de agosto de 2018

Juan Manuel Santos não fez tudo certo, mas deixa a paz. Colombianos ainda precisam aprender a defendê-la, opina o jornalista José Ospina-Valencia.

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Kolumbien Präsident Juan Manuel Santos Rede in Bogota
Juan Manuel Santos governou a Colômbia de 2010 a 2018Foto: Reuters/Colombian Presidency

"Se alguém não escreve a história, a terá escrita", disse Juan Manuel Santos em 2009 em Bogotá, durante a apresentação de seu livro Jaque al terror (xeque no terrorismo), no qual descreve sua luta incansável como ministro da Defesa e que levou as Farc a uma situação sem volta – ou seja, a tal ponto que os guerrilheiros reconheceram que sua luta armada era obsoleta e que era melhor para todos negociar a paz e aceitar o Estado de Direito.

Da mesma forma que Santos não hesitou em bombardear os campos de uma guerrilha parcialmente corrompida pelo tráfico de drogas e pelo roubo de minerais e que disparava cilindros de gás carregados de explosivos em escolas, igrejas e vilarejos, ele não hesitou em levar a Colômbia ao caminho da paz e, atualmente, também a uma situação sem volta.

Mas essa história revela um aspecto vergonhoso da sociedade colombiana: quando Santos travava guerra, sua popularidade disparava na velocidade dos bombardeiros do Exército colombiano. Mas, depois que ele iniciou as negociações para um acordo de paz, seu índice de aprovação começou a despencar, chegando aos atuais 14% – como se muitos não se importassem com as 262.197 pessoas mortas no conflito.

Nesta terça-feira (07/08), Juan Manuel Santos encerra oito anos à frente do governo da Colômbia.

Em 2010, Santos chegou à presidência numa Colômbia abalada pela violência, mas resignada a aceitar que mais violência era a única solução. Gerações de jovens haviam crescido com a ideia de que não havia outra forma de viver além de ser vítima ou bandido. Isso fez crescer as fileiras dos guerrilheiros, dos paramilitares, das gangues criminosas, dos cartéis de drogas numa guerra contra todos os princípios da civilização.

Segundo Andrés Suárez, do Centro de Memória Histórica, na Colômbia existem 80.514 desaparecidos, mais do que a soma das ditaduras do Cone Sul. Nos 53 anos do conflito houve 37 mil sequestrados, 18 mil crianças recrutadas, 4,4 mil massacres, que deixaram 25 mil mortos, e 180 mil assassinatos.

A Colômbia foi transformada num matadouro sem saída, sem opções, sem futuro, onde apenas os mortos do próprio lado importavam. A desumanização da sociedade atingiu limites grotescos e foi uma das razões pelas quais Santos demorou tanto a se convencer de que só a paz negociada era a solução.

Em meio aos aplausos pelas vitórias sobre os guerrilheiros, Santos chegou à presidência e começou a mostrar que, na Colômbia, existem pessoas como Humberto de la Calle [negociador-chefe do governo no processo de paz], e muitas mulheres e homens de sua equipe, que, a fim de parar o fratricídio, foram capazes de olhar nos olhos dos chefes de uma guerrilha que martirizava o país.

Mas a maioria dos guerrilheiros mostrou que também era humana, fossem culpados, fossem inocentes – mas tão pobres quanto os soldados que os enfrentavam e com o mesmo desejo de desfrutar os benefícios da democracia na Colômbia, por mais deficitária que fosse.

Com a sua ideia de negociar um acordo de paz, Santos tocou o coração de milhões de colombianos, cansados do discurso belicoso cego e egoísta de outros líderes. Santos acordou, ressuscitou ou resgatou o aspecto humano, principalmente entre a juventude, entre uma geração que deve lutar por um futuro de paz e ficar alerta para não se deixar envolver em novas guerras.

Claro que Santos não fez tudo certo. A corrupção, o verdadeiro câncer da Colômbia, continuou a prejudicar os bolsos dos contribuintes que trabalham duro e honestamente.

E muitos colombianos ainda relutam em reconhecer que Santos tinha razão com a sua ideia de paz, não vendo que, apesar da crise financeira global e da queda dos preços do petróleo, ele deixa um país que, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), crescerá 2,7% em 2018 e 3,6% em 2019, o segundo maior aumento de Produto Interno Bruto (PIB) na América Latina, depois do Peru. Uma recuperação que ocorre, em parte, graças à paz.

A Colômbia está melhor em 2018 do que em 2010? Sim, mas não em tudo. Os colombianos elegeram um ser humano, não um mago. Santos foi presidente, embora não tivesse o carisma de um líder e muito menos de um caudilho. O que, no fim das contas, é uma sorte.

Isso é não é uma obviedade nem na América Latina nem na Colômbia, onde um ex-presidente engana a Justiça há oito anos, engraxando os sapatos no saguão do Ministério Público em vez de atender à convocação de um tribunal e menosprezando a imprensa ao convidar jornalistas a um estábulo para que escutem a última versão de sua epopeia para escapar da Justiça.

O que Juan Manuel Santos sem dúvida demonstrou é ser um democrata. Um democrata que fez os colombianos sonharem com a paz, que eles agora precisam construir.

Democrata: há melhor adjetivo para um político latino-americano que deixa um país no caminho da paz e que entrega o poder após as eleições mais pacíficas da Colômbia, e exatamente no dia determinado pela Constituição?

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